Estudo mostra que Bolsonaro lucra com crise política

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Foto: Carolina Antunes/Presidência da República

O presidente Jair Bolsonaro tem enfrentado mais rejeição nas redes sociais por sua postura na pandemia do que pelas crises políticas do governo. Dados do Twitter levantados pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) a pedido do Estadão mostram que o presidente perdeu capacidade de atrair novos seguidores desde o pronunciamento na TV em março, quando apelou para o fim do isolamento social. Esse foi também o momento em que recebeu mais comentários negativos na rede social. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a pandemia do novo coronavírus acelerou a perda de apoio do presidente e a radicalização de seu discurso em momentos de tensão política tem sido a forma de recuperar simpatizantes.

O pronunciamento na televisão no dia 24 de março, no qual o presidente classificou a pandemia como “histeria”,foi o momento em que ele mais ganhou seguidores (o saldo do dia foi de 32.178) e mobilizou o maior número de menções a seu nome: 655.133 comentários. Porém, o estudo mostra que 59% desses comentários foram negativos, 40%, positivos e 1%, neutro. Entre os perfis pró-governo, a narrativa dominante pedia a retomada da economia. Por outro lado, a oposição chamava Bolsonaro de irresponsável e via capacidade no pronunciamento de colocar a população em risco.

Naquele dia, o Brasil registrava oficialmente 46 mortes e 2.201 casos confirmados. A pandemia avançou e o País ultrapassou a marca de meio milhão de casos e 30 mil mortos. O discurso na televisão também representou um ponto de virada nas redes sociais do presidente. Desde o dia seguinte, ele passou a apresentar queda significativa em seu saldo de novos seguidores e até o dia 22 de maio não havia conseguido recuperar o mesmo patamar, chegando a apresentar saldos negativos em duas ocasiões – isto é, perdeu de fato seguidores.

Para o diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV, Marco Aurélio Rudieg, o governo falhou na avaliação sobre o impacto que a pandemia teria. Isso fez com que Bolsonaro perdesse uma parte do capital político de apoio que parte do centro emprestava para a direita. “A pandemia turbinou uma crise política que já estava à vista.”

No cenário próximo do colapso da saúde em grandes centros, o governo se viu imerso em crises políticas tanto pela demissão de três ministros no intervalo de um mês, quanto por tensões institucionais causadas por investigações envolvendo pessoas próximas a Bolsonaro. Estes episódios críticos, contudo, não tiveram a mesma capacidade de influenciar negativamente a percepção dos internautas com relação ao presidente.

A preocupação com o coronavírus supera as crises políticas que o governo tem vivido nos últimos meses, diz o cientista político Alberto Carlos Almeida. “A maioria das pessoas está preocupada com problemas concretos, de saúde, renda, emprego. O impacto que tem a pandemia é muito mais extenso do que qualquer crise que mobilize os interessados na política.”

Em meio à crise, o presidente usou frases polêmicas, da “gripezinha”, em março, ao “E daí?” em 28 de abril. Questionado sobre o então recorde de mortes por coronavírus em 24 horas, quando o Brasil ultrapassou o número de óbitos na China, respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, disse Bolsonaro, em referência a seu segundo nome.

O fato de Bolsonaro estar perdendo em suas redes sociais quando dá declarações polêmicas sobre o coronavírus é reflexo do que a própria sociedade pensa sobre a condução da pandemia. “Pelas pesquisas já publicadas vemos que em torno de 20 a 25% das pessoas são a favor da economia, enquanto de 70 a 75% estão de acordo com as determinações científicas das autoridades de saúde. O que Bolsonaro faz é governar para a minoria”, diz Almeida.

Em 24 de abril, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, pediu demissão e acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal. A revelação levou o procurador-geral da República Augusto Aras a abrir um inquérito no Supremo Tribunal Federal para investigar as acusações.

O episódio gerou um pico de 485.052 menções ao presidente, sendo 52% negativas, 47% positivas e 1% neutro. Entre os favoráveis, se destacou a hashtag #fechadocombolsonaro, mostrando apoio incondicional ao presidente. Já entre os perfis bolsonaristas que tuitaram de forma negativa, o destaque foi para a menção ao combate de Moro contra a corrupção. Alguns perfis admitiram arrependimento pelo apoio ao presidente. O balanço de seguidores nos quatro dias seguintes teve uma queda significativa e chegou a ficar próximo de zero, mas ainda não representou perda de seguidores.

A demissão de Sérgio Moro foi o marco que dividiu o campo da direita nas redes sociais. Mas ela durou pouco tempo. “O campo bolsonarista recompôs sua hegemonia e começou uma campanha bem estruturada de construção de narrativas e contra-narrativas”, ressalta Rudieg. Ele lembra que este movimento de retomada do controle no espectro da direita coincide com o acirramento dos embates ideológicos e institucionais que, por outro lado, colocou o governo em meio a crises políticas.

Dois episódios fizeram Jair Bolsonaro perder seguidores no Twitter. Em 7 de maio, um dia após visitar o ministro Dias Toffoli no próprio STF, e em 17 de maio, quando o empresário Paulo Marinho denunciou suposto vazamento de operação da PF a Flávio Bolsonaro, o presidente perdeu respectivamente 35 e 195 seguidores. Ele, porém, voltou a ganhar seguidores nos dias seguintes. A análise mostrou a mesma polarização em torno de Bolsonaro presente nas crises políticas anteriores.

Em 7 de maio, 51% dos perfis criticaram o presidente por ter ido, no dia anterior, ao STF. Para parte destas pessoas o gesto foi visto como uma forma de intimidar a Suprema Corte. Já 49% dos perfis elogiaram as declarações de Bolsonaro em defesa do direito de ir e vir do cidadão.

Menos de duas semanas depois, o governo voltaria a ser o foco de uma crise política envolvendo o filho senador do presidente. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o empresário Paulo Marinho disse ter conhecimento de vazamento da Operação Furna da Onça para Flávio entre os primeiro e segundo turnos das eleições de 2018. A investigação chegaria a Fabrício Queiroz, então assessor do filho do presidente. Neste dia, 53% dos comentários eram negativos e destacavam principalmente a possibilidade de fraude no pleito que levou à vitória de Jair Bolsonaro. Já entre os perfis que ficaram ao lado do presidente, prevaleceu a narrativa que contestava investigações envolvendo a família Bolsonaro.

Estadão