Foro para Flávio é presente para o pai

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Foto: Adriano Machado / Reuters

Sitiado nos últimos dias por ações desfavoráveis da Justiça, o governo Jair Bolsonaro consegue, com a decisão dos desembargadores do Rio de passar o caso das rachadinhas para a segunda instância, respirar e pensar em algum futuro. Depois de penar com as operações do Supremo Tribunal Federal contra as fake news e as manifestações antidemocráticas, o presidente e sua família viram a proximidade do Apocalipse com a prisão de Fabrício Queiroz, na semana passada. A mudança de foro, com as previsíveis disputas judiciais e adiamentos, transformou o anunciado desastre em uma Batalha de Itararé – que nunca aconteceu – e dá tempo ao apaziguamento.

Para Jair e filhos, era mesmo hora de parar o jogo. As investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro, lentamente, colheram, sobre o suposto esquema das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio, uma quantidade de indícios difícil de contestar. Alguns são facilmente compreensíveis, mesmo para os bolsonaristas mais apaixonados. As imagens de Queiroz ao pagar, em uma agência bancária, contas do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em dinheiro vivo, são exemplo desses sinais. Estavam entre os argumentos apresentados pelos promotores ao juiz Flávio Itabaiana, magistrado linha-dura que cuidava do caso e, agora, foi afastado do processo.

Político desde 1988 – apesar de cultivar como marca a memória dos tempos de quartel – o presidente nos últimos dias assumiu comportamento discreto. Despachou para um cargo no BID, em Washington, Abraham Weintraub, persona non grata entre os ministros do STF, que chamou de “vagabundos”. Evitou tanto entrevistas formais com jornalistas como o bate-papo descontraído com os devotos que o esperam na porta do Alvorada – oportunidades favoráveis a palavras impensadas. Nesta quinta, até um novo ministro para a Educação, conservador, mas de perfil aparentemente conciliador, Carlos Decotelli, foi anunciado. Foi uma decepção para os olavistas: queriam outro guerrilheiro da nova direita no MEC.

O quadro é de aparente mudança para um governo que se alimenta da criação de inimigos para manter seus 30% de apoio, não importa o que aconteça no País. Agora, ensaia mandar às favas os escrúpulos de campanha e se apoiar no Centrão para, quem diria, governar. Em tom ameno, o presidente até fala em “entendimento entre poderes” e “dias melhores”.

Recorrendo a uma metáfora cara ao presidente, Bolsonaro está namorando. Não se sabe, porém, ainda se o relacionamento resistirá à pressão das redes sociais e ao temperamento instável da Primeira Família. Nem quais serão as consequências da piscadela de hoje.

Estadão