Grupo fascista de Sara previa prisões
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Era 20 de abril quando Sara Giromini foi ao seu Twitter para anunciar a criação do “maior acampamento pelo fim da corrupção e da esquerda no Brasil”. A jornalista Jessica de Almeida resolveu então se infiltrar no canal recém-criado no Telegram, aplicativo de troca de mensagens, para acompanhar a empreitada.
Dois meses depois, Sara e outros integrantes do acampamento, apelidado 300 do Brasil, estão presos, fruto de um inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para apurar atos antidemocráticos em Brasília. Agora a PGR investiga quem financiou o grupo.
Jessica acompanha Sara Giromini, também chamada de Sara Winter, nas redes sociais desde que a militante integrava o grupo ucraniano feminista Femen, em 2012. A guinada conservadora de Sara nos anos seguintes chamou ainda mais a atenção da jornalista, especialmente pela candidatura frustrada a deputada federal em 2018, pelo DEM do Rio de Janeiro. Desde então, ela manteve a militante no radar.
Ao se infiltrar no projeto de Sara, Jessica diz ter se impressionado com o que viu. Em poucos dias, o grupo do Telegram somava mais de três mil pessoas, e a organização alertava os participantes de que eles deveriam dar “suor e sangue” no objetivo de “exterminar a esquerda” e se preparar para entrar em confronto físico se fosse preciso. Já se falava na possibilidade de prisão.
— De início eram objetivos bem generalistas, falando sobre proteger a soberania popular e tal. Mas passei a ficar mais de olho quando compartilharam um documentário sobre um cara da Primavera Árabe. Aí eu vi que eles estavam formando pessoas para ir a Brasília, dar suor e sangue, encarar a possibilidade de irem presas, tudo isso aliado a uma espécie de formação. E tinha esse jogo de palavras: você não é militante, você é um militar — diz Jessica.
O documentário a que a jornalista se refere chama-se “Como iniciar uma revolução”. As táticas de guerra se tratam dos “198 métodos de ação não violenta”, de autoria do americano Gene Sharp, divulgados no site do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, influenciador do presidente Bolsonaro e de seus filhos. As discussões de seus integrantes passam ainda por ações que vão desde a confecção de pôsteres, folhetos e panfletos até o “assédio não violento” e a pretensa instituição de um governo paralelo.
Segundo Jessica, o discurso ganhava um tom mais “estranho” na medida em que os detalhes sobre o suposto treinamento, pré-requisito para se unir ao acampamento de Sara, iam sendo divulgados. Os organizadores informaram aos participantes que não poderiam levar celulares para os treinos, realizados a partir de 27 de abril, e que o endereço não seria divulgado previamente.
— Isso para mim foi um sinal de alerta maior, sabe? Falavam para os participantes usarem roupas confortáveis para entrar em combate com outras pessoas. Naquele fim de semana as enfermeiras e o fotógrafo Dida Sampaio foram agredidos e eles (grupo de Sara) publicaram que aquilo era só o começo, que eles iam aumentar o tom. Aí eu falei “opa, isso está ficando sério” — afirma Jessica.
Jessica de Almeida denunciou o caso à Polícia Civil de Brasília. Com receio de ser perseguida, ela aceitou ajuda do policial Leonel Radde, do Rio Grande do Sul, para assumir a denúncia no Ministério Público. Radde é conhecido por integrar o movimento antifascismo. Naquela mesma semana, ela foi ao Twitter para relatar o que tinha presenciado. A série de tuítes (thread) foi compartilhada milhares de vezes.
— O grupo (dos 300 do Brasil no Telegram) morreu depois da minha thread. As últimas mensagens que foram deixadas eu considerei como um movimento de assumir a autorida das agressões daquele último fim de semana — diz ela.
Os organizadores do acampamento faziam ressalvas em relação ao treinamento que dariam aos interessados, segundo mensagens do aplicativo a que O GLOBO também teve acesso. “O termo ‘guerra não violenta’ não significa desarmamentismo”, escreveu um organizador anônimo em 21 de abril, “mas parte do pressuposto de que, numa ditadura as armas são retiradas da população, então faz-se necessário desenvolver técnicas que não utilizam armas e que sejam acessíveis a todos”.
A tese é difundida entre os apoiadores de Jair Bolsonaro, inclusive o próprio. Um dia depois, em 22 de abril, o presidente reuniu seus ministros no Palácio do Planalto, encontro cujo conteúdo seria revelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) um mês depois. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que gostaria de armar a população para evitar que ela fosse vítima de uma eventual ditadura.
Em 23 de abril, os companheiros de Sara Giromini escreveram que o treinamento iniciaria em 27 de abril e “terminaria quando (Rodrigo) Maia cair”, referindo-se ao presidente da Câmara. Definiram o perfil de quem buscavam para a missão e afirmaram que disponibilizariam advogado caso alguém fosse preso.
“Buscamos pessoas que tenham coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comididade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (contamos com corpo jurídico gratuito)”, informou a organização.
Por meio de financiamento coletivo, o 300 do Brasil chegou a arrecadar mais de R$ 80 mil para o acampamento, de acordo com a plataforma virtual usada pelo grupo. O montante, dizia Sara, não teria dinheiro público envolvido e estaria sendo usado para a “contratação de uma propriedade particular para colher e treinar os ativistas, além do preparo de refeições e disponibilidade de chuveiros para banho”. A plataforma retirou a página do ar no fim do mês de maio, na esteira da exposição do grupo. Sara se queixou no Twitter.
As últimas mensagens datam de 2 de maio, véspera de manifestações antidemocráticas na Esplanada dos Ministérios que contou com o prestígio do presidente Bolsonaro. Desde então, a organização dos atos e treinamentos internos do grupo se mantiveram mais discretos. Constantemente, participantes do acampamento publicam fotos e vídeos no Instagram do ambiente interno da chácara onde estão hospedados. Agora, sem Sara Giromini.