Heleno complica Bolsonaro em depoimento
Folha: Bruno Rocha /Fotoarena/Folhapress
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, afirmou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro nunca teve “óbices ou embaraços” para nomear e trocar nomes da equipe de sua segurança pessoal no Rio de Janeiro ou em outro local. A informação prestada pelo GSI contradiz frontalmente a justificativa apresentada por Bolsonaro de que suas declarações em reunião ministerial do dia 22 de abril, gravada em vídeo, referiam-se a dificuldades na troca de sua segurança pessoal, e não sobre tentativa de troca do superintendente da PF do Rio. Em ofício enviado na sexta-feira, a Polícia Federal avisou ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello que “nos próximos dias torna-se necessária a oitiva” do presidente Jair Bolsonaro sobre as suspeitas de interferências indevidas na corporação.
No vídeo da reunião, Bolsonaro reclama de relatórios de inteligência da PF e chega a dizer expressamente que iria “interferir” nos órgãos de inteligência, olhando em seguida para onde estava sentado o então ministro da Justiça Sergio Moro. O vídeo foi citado pelo próprio Moro como prova das interferências de Bolsonaro na PF.
— Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira — disse no vídeo.
Na avaliação de investigadores que viram o vídeo, apesar de usar a palavra “segurança”, Bolsonaro estaria se referindo ao seu desejo de trocar o superintendente da PF do Rio. O presidente havia tentado fazer essa troca no ano passado para emplacar um nome escolhido por ele, mas recuou após sofrer resistência interna da PF. A versão da defesa do presidente é que, nessa frase, ele não teria expressado intenção de interferir na PF, mas sim uma insatisfação com sua segurança pessoal.
O assunto está sendo investigado em um inquérito em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), aberto a pedido do procurador-geral da República Augusto Aras. A PF informou que deve tomar o depoimento de Bolsonaro nos próximos dias.
O ofício assinado por Heleno contradiz a versão da defesa de Bolsonaro. O documento foi enviado em resposta a um pedido de informações da PF. “Não houve óbices ou embaraços. Por se tratar de militares da ativa, as substituições do Secretário de Segurança e Coordenação Presidencial, do Diretor do Departamento de Segurança Presidencial e do Chefe do Escritório de Representação do Rio de Janeiro foram decorrentes de processos administrativos internos do Exército Brasileiro”, escreveu o ministro.
Questionado pela PF se a Presidência forneceu equipe de segurança a amigos de Bolsonaro, ferindo a lei, Heleno afirmou que não.
No ofício, Heleno informa que, em 31 de março deste ano, foi efetivado uma troca no cargo de diretor do Departamento de Segurança Presidencial da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Também informa que, em 2 de março deste ano, foi feita uma troca no chefe do Escritório de Representação, na cidade do Rio de Janeiro, da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do Gabinete de Segurança Institucional. Essas trocas também confirmariam que Bolsonaro não tinha dificuldades para mexer na sua equipe de segurança, ao contrário do que apresentou como justificativa.
As informações enviadas pela própria PF sobre a produtividade da superintendência do Rio de Janeiro e anexadas ao inquérito também contrariam outra afirmação do presidente Jair Bolsonaro, de que a troca do chefe da PF no Rio se daria por “questão de produtividade”.
Os dados enviados pela Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado mostram que o índice de Produtividade Operacional (IPO) mais elevado da superintendência do Rio foi atingido em julho de 2019, um mês antes do presidente afirmar que faria a troca por esse motivo. Os números mostram que a Superintendência do Rio melhorou sua posição no ranking nacional no período entre 2017 e 2019. Em 2017, ela oscilou entre a 21ª e a 26ª posições, dentre os 27 estados do país.
No ano seguinte, apresentou um melhora, mas transitou entre a entre a 17ª e a 27ª posições. Já em 2019, a Superintendência do Rio atingiu sua melhor perfomance em julho, quando chegou ao 4º lugar no ranking de produtividade. Após a fala de Bolsonaro sobre a troca de comando, em agosto do ano passado, e um período longo de interinidade sem superintendente efetivo, porém, ela cai progressivamente de posição até chegar ao 23º lugar da lista em dezembro daquele ano –quando finalmente assume o novo superintendente.