Isolamento parcial e abertura prematura fraturam Rondônia

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Foto: Reprodução

O primeiro caso de confirmação de COVID- 19 em Rondônia ocorreu em 20 de março. Aproximadamente setenta dias depois, a preocupação com o colapso do sistema de saúde acirrava-se. No dia 02 de junho, o secretário da Saúde, Fernando Máximo, informava que 100% dos leitos públicos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) estavam ocupados em Porto Velho, capital do estado. Na rede pública e privada, a previsão era de colapso do sistema nos dias seguintes.

Os sinais de alerta no sistema público de saúde não ocorreram somente a partir do início de junho. Em 24 de abril, a diretoria do principal hospital estadual, o Centro de Medicina Tropical de Rondônia destinado a realizar o tratamento de pacientes com COVID-19, comunicou ter alcançado o ápice de sua capacidade. Há uma tensão entre dimensões da saúde e da economia. Contudo, se há custos econômicos na defesa do confinamento generalizado, a alternativa é enfrentar a pandemia com alto número de mortos[ii], cujo primeiro sintoma é o colapso do sistema de saúde.

Em Rondônia, a decisão foi enfrentar a pandemia nos moldes defendidos pelo governo federal. Assim, no dia 14 de maio, com a curva de contágio em ascensão, o governo estadual, em alinhamento com os prefeitos, promulgou o Decreto n° 25.049[iii] que estabelecia 4 fases para a reabertura das atividades, flexibilizando, portanto, o isolamento social. A fase 1 indicava o grau mais rígido de distanciamento enquanto a fase 4, o máximo da flexibilidade. Na promulgação do decreto, as cidades de Porto Velho, Guajará-Mirim e Ariquemes foram classificadas na fase 1 e os demais municípios na fase 3.

De forma não determinista, podemos adotar a data de 14 de maio como um parâmetro para entender a evolução dos casos do novo coronavírus em Rondônia. O referido decreto revela uma gestão compartilhada em torno da flexibilização do isolamento social. Em consonância com o governo federal, assume-se a premissa de que a economia deve aproximar-se de uma imagem de normalidade.

Vinte dias antes do decreto eram 290 casos confirmados e 6 óbitos no estado. Já na data do decreto, Rondônia possuía 1686 casos confirmados e 56 óbitos. Vinte dias depois eram 5714 pessoas confirmadas com COVID-19 e 180 mortes[iv]. A capital do estado, durante todo o período, concentrou a maior parte dos casos. Entretanto, a partir de 14 de maio os dados indicam um processo de interiorização das notificações por COVID-19. No dia 14 de maio, 76,8% dos casos foram diagnosticados em Porto Velho e eram 33 municípios com confirmação do novo coronavírus. No dia 3 de junho, a capital concentrou em torno de 68,5% das ocorrências, demonstrando uma queda significativa no percentual. Na ocasião, 45 municípios apresentavam casos do SARS-CoV-2.

No período analisado, o número de óbitos, similarmente, centraliza-se na capital, em torno de 70%. Dez dias depois do decreto esse índice diminuiu para 65,2% revelando como as mortes começaram a se espalhar pelo estado. Neste sentido, o município de Guajará-Mirim irrompe com dados alarmantes. Em 14 de maio eram 20 casos confirmados na cidade com 7 óbitos. Vinte dias depois eram 289 casos e 21 mortes.

Na profusão de casos no interior do estado, ocorreu o primeiro lockdown, em Rondônia, na data de 27 de maio, na cidade de São Miguel do Guaporé, em função da contaminação massiva de trabalhadores em unidade processadora de uma grande empresa do ramo frigorífico.

O avanço do COVID-19 atingindo populações tradicionais e indígenas é outra característica da dispersão e interiorização dos casos em Rondônia. É em um cenário de violação sistemática dos direitos territoriais dos povos indígenas que avança a pandemia nas aldeias. A primeira morte de indígena foi registrada em 25 de maio e a segunda em 4 de junho. As duas vítimas eram do povo Karitiana. Há evidências de contaminação nos territórios de diversas outras etnias, sem que haja priorização de testagem nem acompanhamento e atendimento adaptados a suas particularidades culturais e territoriais. As comunidades ribeirinhas de Nazaré, Brasileira e São Carlos já apresentaram óbitos por COVID-19. Testagens indicam que essas e outras comunidades tradicionais do Baixo Madeira estão apresentando índices de contaminação equivalentes aos bairros com maior incidência da Capital; o que dá contornos trágicos à situação considerando a dificuldade de acesso aos serviços de atendimento médico e emergência hospitalar.

No dia 06 de junho o governo do Estado decretou[v] “isolamento social restritivo” por 8 dias, nos municípios de Porto Velho e Candeias do Jamari; promulgou na verdade, um lockdown atrasado e incompleto. Atrasado porque não houve acréscimo de leitos de UTI na proporção do aumento de pacientes internados por complicações causadas pela COVID 19 na capital do Estado. Incompleto posto que não abarca Guajará-Mirim e Nova Mamoré, municípios com grande incidência do vírus e desprovidos de rede hospitalar compatível. No curto intervalo do Lockdown, 8 dias, que sequer compreende o ciclo de manifestação do coronavírus (14 dias), observou-se uma redução na velocidade do contágio na capital, conforme demonstra o gráfico a seguir.

Contudo, a partir do dia 13 de junho, Porto Velho foi reclassificada para a fase 2, o que implicou na abertura de serviços não essenciais e um passe livre simbólico para aglomerações de todo tipo. Com isso, a variação da velocidade de contágio recobrou o ritmo anterior não havendo tempo hábil para considerar o sistema de saúde fora do risco de colapso.

Um dia após o decreto do isolamento restritivo, dia 06 de junho, Porto Velho apresentava 167 óbitos e 5.087 contaminados confirmados[vii]. No dia 15 de junho, eram 238 óbitos e 7.643 contaminados confirmados. Feita a flexibilização, decorrida a última quinzena de junho em franca normalização dos fluxos, no dia 29 de junho, Porto Velho apresentou 354 óbitos e 12.795 casos confirmados. Rondônia totalizava 499 óbitos e 20.406 confirmações de COVID-19.

Considerando a crescente curva de contágio, a taxa de ocupação dos leitos hospitalares e distintas petições judiciais em defesa do retorno das medidas restritivas na capital, no mesmo dia 29 de junho, celebrou-se uma Audiência no Tribunal de Justiça de Rondônia reunindo o Governo estadual e a Prefeitura. A audiência resultou em um acordo para a reclassificação da Capital da fase 2 para a fase 1 (isolamento social ampliado) já que os dados demonstravam que não havia condições estruturais e epidemiológicas para uma maior flexibilização. Entre restrições parciais e flexibilizações amplas, fica patente o descompasso entre Governo estadual e a Prefeitura da Capital bem como entre segmentos sociais e jurídicos que clamam por uma paralisação completa de atividades por 14 dias e setores empresariais que não admitem mais limitações à continuidade de seus negócios.

É um cenário colapsado. O avanço do COVID-19 revela as distorções de representação e as fragilidades técnicas das instituições políticas estaduais. As mensagens permanecem contraditórias sobre os riscos do COVID-19 e sobre quais são as políticas públicas elaboradas para a contenção da pandemia. Assim, a população vivencia uma crise infindável com sacrifícios incalculáveis.

Estadão