Justiça proíbe Bolsonaro de aumentar venda de munição
Foto: Jorge William | Agência O Globo
A Justiça Federal em São Paulo suspendeu a portaria do governo federal que, em abril, triplicou de 200 para 600 o limite de compra de cartuchos para quem tem arma de fogo registrada.
O despacho da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo atende a uma ação popular que questiona a medida do governo Jair Bolsonaro. O pedido foi feito à Justiça pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP). A decisão liminar foi proferida no último dia 9 deste mês pelo juiz federal Djalma Moreira Gomes e tem caráter provisório.
No despacho, o magistrado lembra que a portaria foi editada um dia após a reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, cujo vídeo acabou sendo liberado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana anterior, o Exército havia revogado, antendendo a uma determinação de Bolsonaro, três portarias que criaram regras para facilitar o rastreamento de armas e munição.
Tema da agenda do presidente desde a posse, a questão do armamento ganhou novo destaque após a exibição do vídeo do encontro.
“Eu quero todo mundo armado”, afirmou o presidente na ocasião. A frase foi dita quando Bolsonaro se referia a pessoas que desrespeitaram a quarentena e foram algemadas.
No último dia 4, Bolsonaro prometeu aos seus apoiadores mais medidas para flexibilização de armas.
Em maio, O GLOBO mostrou um levantamento do Instituto Sou da Paz, uma ONG voltada para a área da segurança, cujo teor aponta que, em quase um ano e meio no poder, Bolsonaro já lançou mão de seis medidas que flexibilizaram o controle de armas no país.
A política de flexibilização de armas implementada pelo presidente impulsionou as vendas de munição para cidadãos com direito ao porte ou à posse de armas de fogo em 2020. De janeiro a maio, o crescimento no volume de unidades comercializadas foi de 98% em comparação com o mesmo período de 2019, e de 90% em relação a 2018. Apenas em maio, 1.541.780 cartuchos foram vendidos no varejo do país, o que equivale a mais de dois mil por hora.
Este número corresponde apenas às vendas feitas no comércio para pessoas físicas e exclui policiais militares, bombeiros, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). As informações integram a base de dados do Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições (Sicovem) e foram obtidas pelo GLOBO junto ao Exército, via Lei de Acesso à Informação.
O juiz cita ainda outro trecho de declaração do presidente na reunião ministerial, que se dirige aos ministros da ministros da Defesa e da Justiça e Segurança Pública e afirma: “Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta recado para esses bostas”.
O despacho também acata o argumento de Ivan Valente sobre a necessidade de uma decisão rápida e provisória, antes de o tema ir a plenário. Segundo o texto, o aumento na compra de munição aumenta os riscos de mortes causadas por essas armas.
“Tendo ela [a portaria] aumentado significativamente a quantidade de munições passíveis de aquisição, tem-se, por decorrência, o aumento da letalidade no meio social, o que vai de encontro com o Estatuto do Desarmamento”, escreveu o juiz Djalma Moreira Gomes, em sua decisão.
Para a Justiça, a portaria tem vícios que a tornam nula. Na ação popular, o deputado cita reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” que publicou em 24 de maio que a mudança na portaria das munições foi feita com a anuência do general de brigada Eugênio Pacelli Vieira Mota, que, apesar de já ter deixado o cargo, participou da elaboração do parecer técnico que serviu de base para a norma do governo Bolsonaro.
“Em suma, a edição da Portaria Interministerial 1.634/GM-MD, padece de vício que a nulifica, tornando inválido o processo de sua formação, tanto por falta de competência do emissor do ‘parecer’ produzido para subsidiar a edição da Portaria Interministerial quanto por ausência de motivação”, diz o juiz em sua decisão.
A exoneração do general da posição de diretor de Fiscalização de Produtos Controlados foi publicada no Diário Oficial da União em 25 de março. Segundo a publicação, o general deixaria a função a partir de 31 de março, quase um mês antes da portaria que aumentou as munições para pessoas físicas.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Defesa contestou a informação de que o general teria tomado a decisão quando não ocupava o setor de Fiscalização de Produtos Controlados. “O militar estava em pleno exercício legal do seu cargo ao assinar os documentos. Distintamente do que ocorre com os cargos civis da Administração Pública, na esfera castrense, o militar somente deixa o cargo/função a partir do momento que outro militar nele toma posse”, afirma a nota do ministério.