Militares temem que exemplo de militares americanos contamine brasileiros
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Militares da ativa das Forças Armadas no Brasil viram como uma espécie de alerta o gesto da maior autoridade militar americana, general Mark Milley, de pedir desculpas por ter participado de ato político ao lado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O chefe do Estado Maior se desculpou por criar a impressão de envolvimento dos militares na política interna. O ato do qual ele participou, em Washington, contou com a dispersão de uma multidão pela polícia com uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo. Os manifestantes protestavam contra o racismo.
“Foi um ato muito digno e que pode influenciar comportamentos daqui por diante”, avaliou um general brasileiro.
Generais ouvidos pelo blog reforçam a necessidade de o gesto de Milley servir como uma espécie de exemplo do que não se deve fazer por aqui.
Há forte contrariedade em setores da ativa das Forças Armadas com a tentativa de politização dos quartéis no governo do presidente Jair Bolsonaro.
“Em qualquer país com um pouco de amadurecimento político, é normal que as Forças Armadas fiquem fora das disputas políticas”, disse um general da reserva.
Mas, por aqui, militares lembram que o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, tem agido para evitar essa politização.
Pujol tem frisado aos generais e demais oficiais da ativa a necessidade do distanciamento para evitar a politização da tropa.
O general tem seguido a linha do antecessor, general Eduardo Villas Bôas, que sempre ressaltou o papel constitucional nas Forças Armadas.
Para um general quatro estrelas da reserva, há um paralelo a ser feito, “altamente positivo para nós, mas parece que entramos em crise aguda do complexo de vira-latas.”
Segundo ele, não há “uma fotografia sequer” de um general fardado ou em função militar participando de manifestação política. “Essa foto não existe agora ou antes”, afirmou.
Para esse general da reserva, os generais brasileiros já disseram à exaustão, com outras palavras, o mesmo que o general Mark Milley declarou.
“Só que ele falou para pedir desculpas, enquanto nos falamos para que nossos interlocutores entendam que isso não acontecerá e, infelizmente, temos que repetir quase que diariamente porque as pessoas parecem não querer acreditar na democracia. Lamentavelmente, parece ficar mais charmoso festejar o “mea culpa” do americano do que comentar o nosso comportamento”, observou
Porém, há uma preocupação entre oficiais da ativa com o desgaste de imagem das Forças Armadas diante dos sucessivos gestos de Bolsonaro expondo militares que ocupam cargos no primeiro escalão do governo.
Desde que Bolsonaro participou de uma manifestação na qual havia faixas com inscrições antidemocráticas, em frente ao Quartel General do Exército, o incômodo aumentou dentro das Forças Armadas.
Na sequência, houve ainda o episódio com a presença de ministros militares ao lado do presidente na rampa do Palácio do Planalto saudando uma manifestação que pregava a intervenção militar. O ato também foi mal recebido.
Estavam presentes na ocasião, inclusive, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que é um general da ativa. Nesse dia, Bolsonaro ainda afirmou que as Forças Armadas estavam com ele.
Recentemente, outro episódio que provocou desgaste foi o voo de helicóptero de Bolsonaro e do ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo Silva, para acompanhar mais uma manifestação com pedidos antidemocráticos e inconstitucionais, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como informou o blog nesta semana, integrantes da ativa das Forças Armadas já temem o desgaste do Exército diante da repercussão internacional envolvendo a mudança na divulgação de números da pandemia de coronavírus no Brasil.
O fato de a mudança ser coordenada pelo general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, e pelo grupo de 25 militares que estão na pasta, preocupa especialmente generais da ativa.
Há o reconhecimento interno de que o general Pazuello está cumprindo determinações do próprio presidente Jair Bolsonaro ao insistir nas mudanças da divulgação do número de mortos por covid-19 no país.
Um militar adverte ainda que a reação negativa de todos os setores científicos no país e no exterior, atingindo a credibilidade dos números oficiais do país, tem potencial para causar danos na imagem do próprio Exército.