O cercadinho do Alvorada agora é só chapa-branca
Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
A manhã de quarta-feira 10 foi atípica para quem acompanhava a saída de Jair Bolsonaro de sua residência, o Palácio da Alvorada. Acostumados a observar as agressões verbais do presidente a jornalistas, quem estava presente viu uma cena incomum: Bolsonaro destratando uma apoiadora — ou ex-apoiadora. Cristiane Damo Bernart, assessora do gabinete do vereador de São Paulo Fernando Holliday (Podemos), foi até o local cobrar de Bolsonaro explicações sobre a gestão da pandemia e sobre a entrada de membros do centrão no governo.
“Como chefe da nação, eu votei no senhor, eu fiz campanha para o senhor, acho até que o senhor me conhece. Canal Cris Bernart. Eu sinto que o senhor traiu nossa população”, disse a mulher. A apoiadora continuou falando, até que ouviu do presidente: “Se quiser falar, sai daqui, porque já foi ouvida. Cobre do seu governador. Sai daqui”, esbravejou o presidente. Bernart foi hostilizada pelos próprios apoiadores, que gritaram para que ela “calasse a boca.” A outros presentes, Bolsonaro disse que ela estava falando “abobrinha”.
Cristiane Bernart disse que sua ida ao Palácio foi espontânea e que se sente frustrada com o governo. Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), ela afirmou que o grupo, que faz oposição ao presidente, não a forçou a nada. Mas a postura do presidente se mostrou emblemática porque ele não sabia quem era ela antes de destratá-la em razão das críticas. Com as manifestações contrárias ao presidente escalando a cada fim de semana, o lugar cativo dos apoiadores na entrada do Palácio poderá estar em risco, conforme a pr´-disposiçnao do presidente em ouvir críticas se arrefecer ainda mais.
A dinâmica no Alvorada mudou desde que diversos veículos de imprensa deixaram o local, temerosos de agressões vindas dos apoiadores, e que não eram coibidas pela segurança do Palácio. Saíram há duas os veículos do Grupo Globo, além dos jornais “Folha de S. Paulo”, “Estado de S. Paulo” e o portal “Metrópoles”. Com a presença quase que exclusiva de apoiadores, houve automática redução de questionamentos ao presidente.
Com isso, ele também teve menos chances de atacar a imprensa, parte importante de sua estratégia de comunicação e fator que estimulava seus apoiadores a xingarem os profissionais. O episódio em que mandou repórteres “calarem a boca”, por exemplo, foi seguido imediatamente por reações de apoiadores, sempre com os celulares em mãos para registrarem e publicarem as agressões.
A ausência de parte da imprensa havia aberto espaço para um contato mais próximo de Bolsonaro com seus seguidores mais fiéis. Em duas oportunidades recentes, uma delas na última segunda-feira, o grupo deixou o cercadinho, passou pelo portão do Alvorada e pôde conversar com o presidente já dentro dos limites do palácio, embora ainda na área externa.
Na mesma manhã, o comboio presidencial ainda parou na barreira de acesso ao Alvorada, e Bolsonaro desceu do carro para conversar com apoiadores que não puderem acessar o local porque o limite de visitantes já havia sido ultrapassado. A cena, que provocou correria de agentes do GSI, se repetiu no mesmo dia, à tarde.
Até o episódio Bernart, os frequentadores do Alvorada compunham aquele que parecia ser o estrato mais resistente dentre os perfis diversos de eleitores que levaram Bolsonaro à Presidência: consumidores assíduos de “informações” propagadas por WhatsApp, críticos vorazes dos sistemas político e judicial, admiradores ou integrantes das forças de Segurança Pública e autodeclarados patriotas. Mais populares do que as fotos, os vídeos são sempre replicados nas redes sociais com as mensagens passadas ao presidente.
Um desses registros, feito durante a semana, captou uma seguidora paranaense prometendo a Bolsonaro conhecer a cura do coronavírus, tema sobre o qual universidades, governos e a indústria estão debruçados há meses, com gastos expressivos de dinheiro, ainda sem chegar a uma conclusão. O presidente respondeu que um horário seria agendado para que ela pudesse conversar com integrantes do Ministério da Saúde.
Na última segunda-feira, havia moradores de cidades paulistas como Americana, Guarulhos e São José dos Campos esperando uma chance de falar com o presidente na entrada do Palácio. “Quando um presidente foi prestigiado dessa forma no poder? O presidente sempre é cobrado pela população, e esse nosso é amado por onde vai. A esquerda não enche duas kombis. O Congresso quer governar, o Judiciário quer governar e não deixam nosso presidente trabalhar”, disse Anderson Alves, policial militar em Pirassununga (SP), a um canal do YouTube, enquanto esperava a entrada no Alvorada ser liberada. Um dos 40 apoiadores autorizados a ver Bolsonaro de perto na segunda-feira, Alves, que se apresenta como Sargento Anderson, foi candidato a deputado estadual em 2018 e sonha com uma candidatura a prefeito da cidade com cerca de 75 mil habitantes na região centro-leste do estado de São Paulo.
A irritação com o STF – Alexandre de Moraes, que determinou a operação que atingiu blogueiros e empresários bolsonaristas, tomou de Gilmar Mendes o posto de ministro mais odiado – também é um fator de identificação para o policial militar reformado Valdeci Severino, de 65 anos, morador de Brasília. O aposentado, que em uma visita anterior disse ter entregue a Bolsonaro uma revista com uma reportagem sobre John Kennedy, presidente americano assassinado no exercício do cargo, define a própria postura como “antissistema”.
Segundo ele, Bolsonaro tem seu apoio pela disposição em propor mudanças. “Eu também defendo alterações nos sistemas político e jurídico, que são corruptos”, alega.
Ao ser lembrado que o presidente poderá indicar um ministro para o STF já em novembro, na vaga que será aberta com a aposentadoria de Celso de Mello, Severino deixa claro que nem a saída do nome mais popular do governo, abrindo uma crise política severa, foi capaz de abalar sua aprovação a Bolsonaro.
“Uma boa escolha seria o Sergio Moro… Mas ele pisou na bola, traiu o presidente”, diz, citando o ex-titular da Justiça e Segurança Pública, que deixou o cargo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para proteger amigos e familiares.