OEA mentiu sobre fraude eleitoral na Bolívia
Foto: Ginnette Riquelme – 28.nov.19/Folhapress
A eleição foi a mais contestada em décadas: Evo Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, concorria ao quarto mandato, enfrentando uma oposição que o considerava autoritário e disposto a manter o poder.
Quando começou a contagem preliminar de votos, em 20 de outubro de 2019, havia muita tensão. Quando a apuração parou —repentinamente e sem explicação— e recomeçou um dia depois, mostrou que Evo tinha votos suficientes para se eleger.
Em meio a suspeitas de fraude, protestos irromperam pelo país, e a comunidade internacional pediu uma avaliação da Organização dos Estados Americanos (OEA), que havia sido convidada a observar as eleições.
A declaração da organização, que citou “uma mudança inexplicável” que “modifica drasticamente o resultado da eleição”, aumentou as dúvidas sobre a imparcialidade da votação e deslanchou uma série de fatos que mudaram a história do país sul-americano.
A oposição aproveitou a reivindicação para intensificar os protestos, reunir apoio internacional e, semanas depois, tirar Evo do poder com apoio militar.
Agora, um estudo realizado por pesquisadores independentes, usando dados obtidos pelo New York Times de autoridades eleitorais bolivianas, revelou que a análise estatística da OEA foi falha.
A conclusão de que a porcentagem de votos de Evo saltou inexplicavelmente nas cédulas finais se baseou em dados incorretos e técnicas estatísticas inadequadas, segundo os pesquisadores.
“Examinamos com atenção as evidências estatísticas da OEA e encontramos problemas em seus métodos”, disse o economista Francisco Rodríguez, professor de estudos latino-americanos na Universidade de Tulane, em Nova Orleans (EUA).
“Quando corrigimos esses problemas, os resultados da OEA desaparecem, não deixando evidências estatísticas de fraude.”
Rodríguez realizou o estudo com Dorothy Kronick, especialista em política latino-americana na Universidade da Pensilvânia, e Nicolás Idrobo, estudante de doutorado na mesma universidade e coautor de um livro sobre métodos estatísticos avançados.
O estudo deles é um trabalho em andamento, ainda não revisado por pares.
Os autores disseram que a verificação se concentrou apenas na análise estatística da OEA dos resultados da votação, e não prova que a eleição foi livre e justa.
Na verdade, houve muitos problemas documentados na votação.
Na tentativa de reprimir os protestos quando reivindicou a vitória, Evo pediu à OEA que realizasse uma auditoria eleitoral “compulsória”.
O relatório resultante, de cem páginas e publicado em dezembro, continha evidências de erros, irregularidades e “uma série de operações maliciosas” destinadas a alterar os resultados.
Isso incluía servidores de dados ocultos, comprovantes de votação manipulados e assinaturas falsificadas, o que, segundo a organização, impossibilitava sua validação dos resultados eleitorais.
A OEA encontrou evidências de manipulação em pelo menos 38 mil votos. Evo reivindicou a vitória definitiva por uma margem de 35 mil votos.
“Houve fraude —simplesmente não sabemos onde e quanto”, disse Calla Hullum, especialista em Bolívia na Universidade de Miami que observou a eleição e analisou as conclusões da OEA.
“O problema do relatório da OEA é que foi feito muito rapidamente”, afirmou Hullum. Isso moldou a narrativa da eleição antes que os dados pudessem ser analisados adequadamente, explicou.
A afirmação inicial da OEA é especificamente o que os acadêmicos contestam em seus estudos.
A queda de Evo abriu caminho para um governo interino de direita liderado por Jeanine Añez, que não cumpriu sua obrigação de convocar rapidamente novas eleições.
O novo governo perseguiu apoiadores do ex-presidente, reprimiu a dissidência e trabalhou para consolidar seu poder.
Sete meses após a queda de Evo, a Bolívia não tem governo eleito. Uma nova eleição está prevista para 6 de setembro.
A OEA disse que confirmou sua análise estatística porque detectou com sucesso os primeiros indícios de fraude.
“É um ponto discutível”, disse o chefe de observações eleitorais da organização, Gerardo De Icaza, respondendo às perguntas levantadas pelo novo estudo.
“As estatísticas não provam ou refutam a fraude. Evidências concretas, como relatórios falsos das urnas e estruturas de TI ocultas, sim. E foi isso o que descobrimos.”
“A OEA acabou derrubando qualquer legitimidade que os resultados da votação pudessem ter”, disse Gonzalo Mendieta, renomado colunista boliviano.
Em sua auditoria das eleições, a organização disse ter encontrado uma “tendência altamente improvável nos últimos 5% da apuração” que levou Evo a superar o limite para a vitória simples, sem um segundo turno.
Os autores do novo estudo disseram que não conseguiram replicar as conclusões da OEA usando suas prováveis técnicas.
Para eles, uma mudança repentina na tendência apareceu apenas quando excluíram os resultados de cabines eleitorais processadas manualmente e com relatórios tardios.
Isso sugere que a organização usou um conjunto de dados incorretos para chegar à sua conclusão, disseram os pesquisadores.
A diferença é significativa: as 1.500 cabines de apuração tardia que foram excluídas representam a maior parte dos votos finais que as análises estatísticas da OEA consideram suspeitos.
Além disso, os acadêmicos disseram que a organização usou um método estatístico inadequado que criou artificialmente a aparência de uma ruptura na tendência da votação.
O consultor da OEA que conduziu sua análise estatística, professor Irfan Nooruddin, da Universidade de Georgetown, disse que o novo estudo deturpou seu trabalho e está errado.
Ele não deu detalhes e não compartilhou seus métodos ou dados com os autores do estudo, apesar de diversos pedidos.