Pandemia jogará 14 milhões de brasileiros na pobreza
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A turbulência econômica causada pela pandemia do novo coronavírus pode jogar até 14,4 milhões de brasileiros na pobreza, segundo um novo estudo conduzido por pesquisadores da Inglaterra e Austrália junto com o Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento (UNU-WIDER).
A estimativa se refere ao número de pessoas que passariam a viver com menos de US$ 5,50 (R$ 27,40) por dia, um dos parâmetros de pobreza definidos pelo Banco Mundial – os outros dois são US$ 3,20 e US$ 1,90 (pobreza extrema) – no pior cenário possível, de queda de 20% de renda ou consumo.
No mundo, seriam 527,2 milhões de novos pobres nessa mesma base de comparação.
Pesquisadores da Universidade King’s College London e da Universidade Nacional da Austrália, responsáveis pelo estudo, avaliaram três cenários possíveis da recessão causada pela pandemia de covid-19 – queda de 5%, 10% e 20% de renda ou consumo.
Considerando o limiar de US$ 1,90 por dia (pobreza extrema), o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 700 mil (5%) a 1,5 milhão (10%) e 3,3 milhões (20%).
Ao redor do mundo, o número de pessoas vivendo na pobreza extrema passaria de 727,3 milhões atualmente para 1,1 bilhão, na pior das hipóteses (20%).
Segundo os pesquisadores, caso se confirme, esse cenário indicaria uma “reversão de sete a dez anos de progresso na luta contra a redução da pobreza, dependendo da contração, e o primeiro aumento absoluto de pessoas vivendo em extrema pobreza desde 1999”.
Já no patamar de US$ 3,20 por dia, considerado o índice de pobreza para países de renda média baixa, o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 1,4 milhão (5%) a 3 milhões (10%) e 6,9 milhões (20%).
Por fim, se considerado o parâmetro de US$ 5,50 por dia, limiar de pobreza para países de renda média alta, como é o caso do Brasil, o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 3 milhões (5%) a 6,4 milhões (10%) e 14,4 milhões (20%).
Em todos os casos, o Brasil responderia aproximadamente por 25% a 30% dos novos pobres na América Latina.
Dados recentemente divulgados pelo Banco Mundial mostram que o impacto econômico da pandemia de covid-19 no Brasil será maior do que em outros países da região.
A organização multilateral, com sede em Washington (EUA), estima que o PIB brasileiro caia 8% neste ano, taxa inferior apenas à do Peru (13%) na América do Sul.
“A crise da covid-19 pode fazer com que a pobreza extrema volte a atingir mais de 1 bilhão de pessoas. Isso porque milhões de pessoas vivem somente um pouco acima da linha da pobreza. Milhões de pessoas vivem em uma situação precária e qualquer choque econômico pode levá-las de volta à pobreza. E a crise atual pode ser esse choque que as empurraria à pobreza”, diz Andy Sumner, professor de Desenvolvimento Internacional da King’s College London e um dos autores do estudo.
“Os impactos da pobreza atual serão determinados pelo que os governos vão fazer para mitigar as consequências danosas da pandemia. Os mais pobres não podem esperar até a reunião do G7 em setembro ou a do G20 em novembro”, acrescenta ele.
Segundo os pesquisadores, “muita atenção está focada, justificadamente, nos aspectos da pandemia da covid-19 relacionados à saúde e na magnitude potencial da contração da atividade econômica dos países.”
“Mas o impacto que os choques de desemprego e da renda do trabalho como consequência das medidas de confinamento pode exercer nas taxas de pobreza em países em desenvolvimento vem recebendo relativamente menos atenção até agora”, assinalam.
Os pesquisadores ressaltam que os cenários avaliados, de queda de 5%, 10% ou 20% de renda ou consumo, estão em linha com as previsões de organismos internacionais.
No caso do pior cenário possível, por exemplo, eles dizem que a queda de 20% se aproxima “das estimativas da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de que o confinamento parcial ou completo pode resultar numa contração que varia entre 15% e 35% entre as 48 maiores economias do mundo, com um declínio de 25% a curto prazo nas economias em desenvolvimento e avançadas”.
Eles ressalvam contudo que “não sabemos qual dos nossos cenários de contração será o mais próximo do resultado final, nem como as mudanças no consumo ou na renda vão diferir entre os países. O resultado final da pobreza será determinado pelo que os governos fazem, pela duração da crise e pelo choque específico de renda em cada país e como ele se distribui pelos diferentes setores”.
“Nossas estimativas são indicações de ordens de grandeza e devem ser lidas não como previsões, mas como uma série de possíveis resultados”, acrescentam.
Segundo os pesquisadores, a piora nos meios de subsistências das pessoas como consequência da crise poderia resultar “não apenas numa incidência mais alta da pobreza, mas também exarcebar tanto a intensidade quanto a severidade da pobreza”.
No pior cenário possível (queda de 20% da renda ou do consumo), dizem eles, a severidade da pobreza poderia aumentar em até 60% entre os que ganham até US$ 1,90 por dia e entre 30% e 40% para os limiares de pobreza mais altos.
Isso significa que os recursos necessários para elevar as rendas dos mais pobres para os patamares de pobreza passariam dos atuais US$ 446 milhões por dia para mais de US$ 700 milhões por dia.
O estudo também assinala que a pobreza deve aumentar “substancialmente” nos países em desenvolvimento de renda média e destaca a possibilidade de uma mudança “significativa” na distribuição da pobreza global.
“Deve haver muito mais nova pobreza não apenas em países onde a pobreza sempre permaneceu alta nas últimas três décadas, mas também em países que não estão mais entre os mais pobres, o que aponta não só para o tamanho de sua população, mas também sugere que muito dos seus ex-pobres foram alçados para um patamar pouco acima da linha da pobreza, o que implica que os recentes progressos alcançados foram relativamente frágeis”, destacam os pesquisadores.
Considerando o patamar de pobreza extrema, por exemplo, de US$ 1,90 por dia, e o pior cenário possível (20%), mais da metade dos 395 milhões de novos pobres estariam no Sul da Ásia, “tornando-se assim a região mais afetada no mundo”, em grande parte por causa da Índia, de acordo com o estudo.
No entanto, à medida em que os parâmetros de pobreza aumentam, uma parcela maior dos novos pobres estará concentrada “onde o parâmetro de pobreza correspondente é mais relevante, dado o nível médio de renda”.
“Por exemplo, a distribuição regional dos pobres do mundo muda drasticamente quando se olha para a linha de pobreza de US$ 5,50 por dia – o parâmetro de pobreza entre os países de renda média alta. Nesse nível, quase 41% dos meio bilhão de novos pobres em um cenário de contração de 20% viveriam no leste da Ásia e no Pacífico, principalmente na China; um quarto viveria no Sul da Ásia; e 18% no Oriente Médio e Norte da África e na América Latina e no Caribe, porcentual individual semelhante ao da África Sub-saariana (9,2%)”.
“Essa distribuição do número adicional de pobres é um pouco semelhante à resultante de um cenário de contração de 5% ou 10%”, acrescenta o estudo.
Os pesquisadores acrescentam que “na América Latina e no Caribe, uma queda de 10% na renda / consumo per capita pode acabar com uma década de progresso relativamente lento na redução da pobreza considerando o patamar de US$ 5,50 por dia, enquanto uma queda de 20% pode levar a incidência de pobreza de volta ao nível de 2005”.
Embora tenham focado nos impactos econômicos de curto prazo da crise da covid-19 na pobreza, “a crise mais ampla deve causar repercussões para a pobreza global por anos a fio”, concluem.
Em relatório recente, o Banco Mundial alertou que a pandemia de coronavírus provocou a mais ampla turbulência econômica global desde pelo menos 1870 e ameaça desencadear um aumento dramático nos níveis de pobreza em todo o mundo.
Trata-se do maior número de países entrando em recessão ao mesmo tempo em 150 anos.
A organização estima que o PIB de 90% das 183 economias avaliadas caia em 2020, mais do que os 85% dos países que sofreram recessão durante a Grande Depressão da década de 1930.
Já em comparação com outras recessões, a tormenta financeira causada pela pandemia de covid-19 seria a mais acentuada desde a Segunda Guerra Mundial e a quarta pior entre as 14 que o mundo atravessou nos últimos 150 anos.
Desde 1870, ela só seria superada pelas crises ocorridas no início da Primeira Guerra Mundial em 1914, na Grande Depressão em 1930-32 e após a desmobilização de tropas após a Segunda Guerra Mundial em 1945-46.
O Banco Mundial prevê que o PIB global encolha 5,2% neste ano, mais do que o dobro do registrado na crise financeira de 2008.