Paulistanos agem como se pandemia tivesse acabado
Foto: Eduardo Knapp/Folhapress
Filas nas portas de algumas lojas. Ambulantes de voltas às calçadas. Trânsito. Na reabertura do comércio de rua em São Paulo, nesta quarta-feira (10), pequenos lojistas, que queriam repor estoques com produtos essenciais, se misturaram aos consumidores que foram em busca de promoções, especialmente de álcool em gel.
O horário de funcionamento foi reduzido, das 11h às 15h.
Nas lojas, o uso de máscara era generalizado, comerciantes pediam distanciamento nas filas e alguns até mediam a temperatura, o que não evitou aglomerações.
Havia um certo clima de fim de pandemia no centro de São Paulo. O ponto de maior movimentação foi a região da 25 de Março. Por volta de 13h, 70 pessoas formavam uma fila para entrar na Armarinhos Fernando, uma das lojas mais tradicionais da rua 25 de Março.
Nas calçadas, ambulantes de volta à ativa ofereciam sapatos, camisetas e eletrônicos. Tinha fila até para comprar cachorro-quente.
Cerca de 400 mil pessoas circulam em dias normais na região, que é o maior centro comercial a céu aberto do Brasil. O movimento depois de quase três meses de portas fechadas não chegou perto desse número, mas atendeu a expectativa de varejistas.
A Armarinhos Fernando, que comercializa de material escolar a produtos de casa e artigos esportivos, tinha cerca de 500 pessoas por volta das 14h, segundo o gerente Ondamar Ferreira, que calculou a média com o número de fichas entregues a consumidores e o controle de entrada.
Antes da pandemia, a loja recebia cerca de 1.200 pessoas por hora.
Boa parte dos clientes eram lojistas de estabelecimentos menores em busca de produtos para abastecerem suas prateleiras. “Na média, neste primeiro dia, cerca de 70% dos clientes foram consumidores finais e 30%, lojistas”, diz Ferreira, pontuando que os produtos com boa saída foram do setor de bens essenciais e de limpeza, relacionados à pandemia, como álcool em gel e máscara.
Pequenos comerciantes do interior do estado aproveitaram o dia para repor estoques. Maria Helena de Jesus, 53, desembolsou R$ 1.700 em produtos para revender em sua banca de jornal em Itatiba, no interior de São Paulo.
“Estava sem produto. Até comprei pela internet nesse tempo, mas demorava para chegar e o frete era caro”, diz.
Outros se deslocaram porque conversas presenciais com vendedores rendem descontos nos preços, o que era limitado nas compras feitas digitalmente.
“Eu comprava telas para celular a R$ 130 na semana passada, hoje elas custaram R$ 80”, afirmou Denis Fernandes, 22, que trabalha em uma assistência técnica em Itaquera, na zona leste, e foi às compras no centro para comprar insumos nesta quarta.
O polo de moda situado no Bom Retiro, que recebe comerciantes de várias partes do país, o que exige viagens mais longas, registrou movimento mais tímido.
“Quando abrimos, até tinha gente esperando, mas uma hora depois ainda não tínhamos feito nenhuma venda”, afirmou Adeline Almeida, gerente de moda da Shop TK, na José Paulino. Por volta do meio-dia, a loja tinha três clientes. O normal para o mesmo horário na fase pré-pandemia era de 60 pessoas.
Os consumidores se concentraram em outlets, que vendem produtos mais baratos, como o Zeni Store. No fim da manhã, dez pessoas esperavam sua vez comprar roupas ou artigos esportivos.
A regra era de um cliente por funcionário nos cerca de 200m² da loja. A gerente afirmou que o faturamento caiu 90% durante a pandemia e que as pessoas que entravam estavam consumindo.
“A melhor coisa é ver uma vitrine, uma loja aberta. Não gosto de comprar pela internet e morria de saudade”, disse a comerciante Rosielina Lopes, 40, que havia adquirido seis peças de roupas em uma hora de abertura.
No bairro Jardins, de maior poder aquisitivo, as lojas fecharam as portas pontualmente às 15h. O movimento de carros e nas ruas aumentou muito, segundo comerciantes, que estavam habituados a manter a operação interna para realizar entregas.
Na loja de roupas Calvin Klein, a taxa de conversão de vendas (consumidores que entraram e compraram) foi superior a 60%, segundo Lauro Ribeiro, gerente-geral.
“Foi uma boa quarta-feira, não como no ano passado, mas para o momento, superou a expectativa.”
Na Schutz, que vende sapatos, “metade que entrou, comprou”, de acordo com uma funcionária. A maior parte do público foi impulsionada pelo Dia dos Namorados. Na loja de 300m², são permitidas apenas cinco pessoas por vez. “O movimento de rua aumentou. Não tinha uma viva alma há poucos dias e hoje tem trânsito na Oscar Freire”, afirmou a gerente Dayanna Lehmkuhe.
De modo geral, a disposição entre os clientes era cautelosa. “As pessoas não estão tão confiantes e nós mesmas temos medo de sair. Estamos aqui só porque precisamos trabalhar”, disse Kelly Oliveira. Ela e a irmã Fabiane de Oliveira estão desempregadas e foram às compras em busca de produtos para fazer cestas de presentes para o Dia dos Namorados.
Ambas veem oportunidade para vender, nem que seja um pouco, na data comemorativa por causa do auxílio emergencial de R$ 600.
O potencial de consumo gerado pelo auxílio também alimenta esperança de lojistas.
“A única variável que influencia no consumo dos mais vulneráveis é o auxílio. Serão R$ 200 bilhões com todas as parcelas, isso representa 10% das vendas do varejo no ano, é muito significativo. Muita gente vai usar para o consumo”, diz Guilherme Dietze, economista da FecomercioSP.
A federação identificou uma maior procura por produtos específicos de higiene e limpeza no primeiro dia. A expectativa é que possa haver um pico de venda nesse segmento.
Para 2020, a estimativa da FecomercioSP é de queda de 11% no faturamento do varejo paulistano, cerca de R$ 208 bilhões contra os R$ 234 bilhões registrados no ano passado. A perda até o dia 9 de junho foi de quase R$ 17 bilhões, um prejuízo diário de cerca de R$ 220 milhões, 30% do total das vendas esperadas por dia.