Petista deu impulso a impeachment de Witzel

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Foto: Octacillio Barbosa/Alerj

Foi tudo meio por acaso. Primeiro, doenças; depois, prisões; por último, a confusão do bolsonarismo. Hoje responsável por abrir o processo de impeachment contra o governador Wilson Witzel (PSC), o petista André Ceciliano chegou à Presidência da Assembleia Legislativa do Rio para um mandato-tampão em novembro de 2017. Foi reeleito no início do ano passado, em pleno auge do bolsonarismo, num Estado em que o PT quase inexiste a nível local.

Bem relacionado – já foi considerado, inclusive, aliado do governador -, Ceciliano está na Alerj desde 1999, com uma pausa no período em que assumiu a Prefeitura do município de Paracambi. Em 2019, com o pragmatismo e a tentativa de agradar a todos que lhes são característicos, foi um importante articulador para Witzel enquanto o mandatário via o bolsonarismo se esvair da base governista. No mês passado, após a operação da Polícia Federal que atingiu o governador e o acirramento da crise entre o Executivo e o Legislativo, Ceciliano mudou de tom: afirmou que a Assembleia “assumiria seu papel” e não ignoraria os mais de dez pedidos de impeachment apresentados contra Witzel.

A história de como Ceciliano chegou à cadeira em que está hoje começa com os ex-deputados Jorge Picciani (MDB), que dominou por anos a Alerj, e Wagner Montes (PDT), famoso por apresentar um programa policialesco de TV. Em abril de 2017, Picciani se afastou do mandato para cuidar de um problema de saúde. Montes, o segundo na hierarquia, assumiria a função de presidir a Casa, mas também estava cuidando de doenças – ele morreria em janeiro de 2019.

Coube ao petista, que é considerado um moderado e não exerce grande protagonismo no partido, sentar-se à imponente cadeira do Palácio Tiradentes. Ali ficou, de modo discreto e enquanto interino, até o início da atual legislatura, quando a avalanche bolsonarista de 2018 reconfigurou a Alerj. Antes absoluto no parlamento fluminense, o MDB de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Picciani mingou: elegeu apenas cinco deputados. O PSL, por sua vez, levou 13 bolsonaristas para a Casa que em muito simbolizou os esquemas espúrios da Era Cabral.

Tudo levava a crer que, naquele clima de renovação e de ascensão de uma extrema-direita eleita na esteira do discurso anticorrupção, os apoiadores do novo presidente da República e do ex-juiz eleito governador teriam força para escolher um presidente dentre os seus. Mas, em choque com a política real, o PSL foi incapaz de criar um consenso. Ceciliano foi reeleito – era, afinal, o único candidato.

Nas galerias do Tiradentes, manifestantes do Movimento Brasil Livre (MBL) repudiavam a eleição do petista. Diziam que seu mandato seria uma continuação do tocado por Picciani. A abertura do processo de impeachment ajuda a mostrar a diferença: durante os governos emedebistas, ou até a prisão de Cabral e as ruínas de Pezão, a Casa se manteve alinhada ao Executivo, numa relação que misturava concordância política e, soube-se depois, pagamento de propina.

Picciani foi preso em novembro de 2017, mas solto logo depois – na ocasião, renunciou à presidência para cuidar da defesa na Justiça. Em decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, foi condenado a 21 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Também foi multado em R$ 11 milhões e virou inelegível por oito anos. No âmbito da mesma operação Cadeia Velha, outros emedebistas foram presos, incluindo o também ex-presidente Paulo Melo – o que pavimentou o terreno para que o partido que dominou a política do Rio por mais de uma década se transformasse no coadjuvante que é hoje.

Entre os deputados, Ceciliano é elogiado pela abertura ao diálogo e por não impor uma hierarquia tão explícita, ao contrário do que ocorria nos anos anteriores. A atitude de jogar para o plenário a decisão de dar abertura ao processo de impeachment, por exemplo, foi vista não como uma omissão de responsabilidade, e sim como uma forma de dar aos 70 deputados o direito de decidir – e 69 deles foram a favor, num recado claro a Witzel. Essa espécie de horizontalidade também se dá muito por causa da nova configuração da legislatura, bem menos concentrada no MDB e sem um alinhamento natural ao governo.

A sessão que autorizou a abertura do processo ficou marcada pelos elogios a Ceciliano, que partiram das mais diferentes posições do espectro político – do PSOL aos bolsonaristas. O experiente deputado e ex-ministro Carlos Minc (PSB), por exemplo, lembrou da forma como o presidente tentou ajudar o governo até aqui. “Vossa Excelência demonstrou, institucionalmente, que sempre tentou ajudar o governo, tirar o governo de uma situação de isolamento, não deixou os projetos pararem. Ao fazer essa consulta (sobre o impeachment), mostra que tudo tem limite, que Vossa Excelência tem compromisso com a governabilidade, mas que tem sobretudo um compromisso com o Estado do Rio de Janeiro”, disse.

A palavra “institucionalmente” é importante. Ceciliano sabia, como qualquer um que leu notícias da Era Cabral, que a Alerj passava por um forte desgaste, com a imagem abalada pelos escândalos de corrupção – que resultaram nas operações Cadeia Velha e Furna da Onça, por exemplo. Esse papel de tentar resgatar a imagem do Legislativo enquanto instituição é sempre citado pelos que o elogiam.

O fato de agradar a todos também é visto, em alguns momentos, como algo negativo. A certa altura do ano passado, por exemplo, não paravam de chegar queixas contra deputados do PSL que protagonizavam episódios como empurra-empurra no plenário, ofensas verbais a colegas e soco num estudante da UERJ após uma audiência pública. Eles não chegaram a sofrer nenhum tipo de punição.

Ceciliano também é citado no famoso relatório de inteligência financeira do antigo Coaf que levou à investigação contra o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Quatro assessores do petista registraram movimentações suspeitas de R$ 49 milhões em suas contas. O caso de Flávio, contudo, por causa da abrangência dos desdobramentos da investigação, foi o único a ir adiante, enquanto os outros deputados citados pelo relatório não passaram por grandes medidas judiciais além da quebra de sigilos bancário e fiscal.

Em entrevista ao Estadão em maio do ano passado, Ceciliano afirmou que ninguém tinha noção do tamanho dos desvios. E fez questão de se diferenciar de Flávio, ao afirmar que não há base legal para o argumento dado por Fabrício Queiroz, o suposto operador do esquema do filho do presidente, que dizia recolher informalmente dinheiro de assessores. Sobre si próprio, resumiu: “Já fui investigado, tenho ações, mas nunca fui condenado em nenhuma.”

Estadão