Promotoria divulga o “power pont” de Bolsonaro
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A operação Anjo, deflagrada em 18 de junho, avançou alguns passos na elucidação dos laços de Fabrício Queiroz e da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro.
A profundidade dessa relação ainda não está clara, mas o Ministério Público revelou fatos importantes na peça que pediu a prisão do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
Entre eles, um encontro suspeito entre o advogado do senador, Luis Gustavo Botto, e familiares do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe de uma milícia.
Também participou dessa reunião a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que segue foragida. O objetivo, segundo a Promotoria, seria elaborar um plano de fuga para a família do ex-assessor com a ajuda de Adriano, seu amigo.
Outro ponto levantado pela Promotoria é a relação de Queiroz com milicianos da zona oeste do Rio. Mensagens trocadas entre Márcia e o marido indicam que ele mantém influência sobre um grupo paramilitar de Rio das Pedras.
Em dezembro de 2019, Márcia encaminhou ao PM aposentado o áudio de um homem que queria pedir ajuda a Queiroz depois de ter sido ameaçado pelo grupo paramilitar que domina a região.
“Eu queria que, se desse para ele ligar, se conhecer alguém daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras, os ‘meninos’ que cuidam daqui”, afirmou o interlocutor à mulher de Queiroz.
Em resposta a Márcia, o ex-assessor disse que poderia interceder com os milicianos pessoalmente, mas que não faria o contato pelo telefone porque tinha receio de estar grampeado.
Queiroz se tornou assessor de Flávio Bolsonaro em 2007 e foi exonerado em outubro de 2018, quando já era alvo de investigação do Ministério Público do Rio. Segundo o empresário Paulo Marinho, o senador foi informado à época sobre o procedimento por um delegado da PF.
A Promotoria afirma que o ex-servidor atuou como operador financeiro de um esquema de rachadinha (devolução de salários) no gabinete do filho do presidente.
De acordo com o MP-RJ, 11 assessores vinculados a Flávio repassaram pelo menos R$ 2 milhões a Queiroz, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie.
A Promotoria identificou que o ex-assessor pagou mensalidades escolares e planos de saúde da família do chefe. Essa teria sido uma forma de lavar o dinheiro obtido com a suposta rachadinha.
A proximidade de Queiroz com os Bolsonaros vai além da relação profissional. Ele entrou no gabinete de Flávio por meio do presidente Jair Bolsonaro, de quem é amigo há mais de 30 anos. Os dois se conheceram no Exército.
A filha de Queiroz, Nathalia, também se tornou funcionária fantasma no gabinete de Jair na Câmara dos Deputados.
Outro ponto que liga o presidente ao ex-assessor é um cheque de R$ 24 mil recebido de Queiroz por Michelle Bolsonaro. Jair afirma que o valor corresponde a um empréstimo que havia concedido ao amigo. Nunca apresentou, no entanto, comprovante dessa transação.
A operação que prendeu Queiroz aprofundou também os laços da família com o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega.
Adriano foi acusado de liderar o Escritório do Crime, milícia formada por matadores de aluguel. O grupo é suspeito de ter participado do assassinato da vereadora Marielle Franco, que ainda não foi elucidado.
O ex-capitão morreu em fevereiro deste ano, em uma operação policial na Bahia. As circunstâncias de sua morte levantaram a hipótese de queima de arquivo.
Queiroz e Adriano eram amigos e trabalharam juntos no 18° Batalhão da Polícia Militar. Teria sido Queiroz o responsável pela indicação para o gabinete de Flávio da mãe e da ex-mulher do capitão.
Durante o período em que permaneceram no gabinete, Danielle Mendonça da Silva e Raimunda Veras Magalhães obtiveram remuneração de R$ 1 milhão. Desse valor, R$ 400 mil retornaram para Queiroz.
O Ministério Público não esclareceu o destino dos R$ 600 mil que ficaram com a família de Adriano.
Em mensagens trocadas com a ex-mulher após sua exoneração, ao final de 2018, ele indica que também se beneficiava do esquema. “Contava com o que vinha do seu também”, escreveu.
Na peça que pediu a prisão de Queiroz, a Promotoria revela que a amizade entre Queiroz e Adriano se manteve forte ao longo das investigações e que pode ter envolvido atos ilícitos.
As mensagens coletadas pela Promotoria também indicam que o advogado de Flávio Bolsonaro, Luis Gustavo Botto, orientou a mãe de Adriano, Raimunda, a se manter longe do Rio durante as investigações da rachadinha. Ela se abrigou em uma casa em Astolfo Dutra, em Minas Gerais.
“Gustavo falou que ela pode voltar. Mas como abriram as investigações agora eu acho melhor ela esperar mais um pouco”, escreveu Queiroz à mulher em dezembro de 2019.
No mesmo mês, segundo as mensagens apreendidas pelo Ministério Público, se reuniram na cidade mineira a mãe e a mulher de Adriano, Márcia e Botto.
O objetivo, segundo o Ministério Público, era que a mulher do ex-capitão, então foragido, levasse a ele um recado de Queiroz.
“Vai falar com o amigo sobre o recado”, escreveu Márcia Aguiar ao marido. “Depois que ela falar com o amigo ela vai entrar em contato comigo”, completou.
A promotoria acredita que Adriano iria elaborar um plano de fuga para a família de Queiroz, mas não apresentou na peça os indícios dessa teoria.
Antes de ir a Minas, segundo o MP-RJ, Botto teria se encontrado com Queiroz e Frederick Wassef, advogado que era próximo e atuava para a família Bolsonaro.
Mesmo sem mandado de prisão aberto contra ele à época, Queiroz se escondeu em um sítio em Atibaia (SP) de propriedade de Wassef. Durante as investigações, o advogado abrigou o ex-assessor, monitorou seus passos e restringiu sua movimentação.
A benevolência da família Bolsonaro com as milícias é anterior ao episódio da rachadinha. Ao longo dos anos, uma série de discursos do atual presidente e de seus filhos minimizou a gravidade das ações desses grupos —além de ter defendido e exaltado policiais suspeitos de atuação criminosa.
Adriano da Nóbrega, por exemplo, estava preso quando foi homenageado por Flávio com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa.
Nóbrega também foi destaque de um discurso de Jair Bolsonaro. No plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, o então deputado federal afirmou que o ex-capitão era um “brilhante oficial”.
Outro ponto que aproxima Flávio Bolsonaro das milícias é sua relação com Valdenice Meliga, tesoureira de sua campanha ao Senado.
Val, como é conhecida, recebeu procuração para assinar cheques da campanha. Ela também foi tesoureira do diretório estadual do PSL, antigo partido do senador.
Dois irmãos de Valdenice, os PMs Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, foram presos em agosto de 2018 pela Operação Quarto Elemento, que mirou uma quadrilha de policiais especializados em extorsões.