PSDB agora não quer impeachment
Foto: Sérgio Lima/Poder360
Descolado da esquerda e do centrão, o PSDB parte para a oposição ao governo Jair Bolsonaro (sem partido), mas não defende seu impeachment, num momento em que esse processo é cada vez mais abraçado por outros partidos, por manifestos e protestos de rua.
“O impeachment é potencializar uma crise dentro da mais grave crise sanitária e econômica talvez da nossa história”, afirma à Folha o presidente do PSDB, Bruno Araújo, 48. Incentivador do impeachment de Dilma Rousseff (PT), ele agora diz que as circunstâncias são diferentes.
Há um ano, após Geraldo Alckmin ter o pior resultado do partido em uma eleição presidencial, Araújo assumiu um PSDB dividido entre a velha guarda que pregava um resgate à social-democracia e a ala de João Doria, ainda ligado à onda Bolsonaro que o elegeu governador de São Paulo.
Desde então, o partido consultou a base para se posicionar e “sair de cima do muro”, fechou questão pela reforma da Previdência, rejeitou a expulsão de Aécio Neves e viu o próprio Doria se tornar um ferrenho opositor do presidente.
O governador paulista é a principal aposta do PSDB para a eleição presidencial de 2022, mas Araújo afirma que não quer entregar “candidato pronto”, mas construir uma aliança alternativa de centro.
O sr. assumiu o PSDB há um ano com a promessa de que o partido não seria mais em cima do muro. O PSDB hoje é oposição a Bolsonaro? O caminho do PSDB é a oposição. O PSDB teve a paciência democrática de esperar o tempo e dar as oportunidades a um governo democraticamente eleito se instalar e trabalhar. O PSDB foi colaborativo. A principal reforma desse governo, da Previdência, foi relatada na Câmara e no Senado pelo PSDB. Que foi aprovada obstante pouca ajuda do próprio presidente. Mas o governo não conseguiu nem fazer as entregas de ordem econômica muito menos de ordem social.
Num capítulo à parte, há todos os destemperos em relação a posicionamentos autoritários e passar a quebrar linhas institucionais. A manutenção do ministro da Educação e do presidente da Fundação Palmares é um atestado do perigoso desapreço de Bolsonaro pelas instituições democráticas.
Ser oposição não significa não ter relação institucional, respeitosa e colaborativa com o Brasil. O PSDB não trata adversário político como inimigo.
O melhor para o país é que Bolsonaro termine seu mandato ou que seja interrompido, via impeachment ou cassação via TSE? O impeachment é potencializar uma crise dentro da mais grave crise sanitária e econômica talvez da nossa história. O instituto do impeachment não é para ser banalizado. Preferimos, respeitando a grave crise que o país vive, permitir que o diálogo, a serenidade, a maturidade das instituições possam nos levar a superar primeiro esse grave momento.
O preferível é que possamos chegar com um grau de naturalidade ao processo das eleições de 2022. O momento é de pregar um ambiente de unidade em relação a vencer um inimigo muito maior que está matando dezenas de milhares de brasileiros.
Há o entendimento em alguns partidos de que a luta contra o vírus e contra Bolsonaro é a mesma, que o presidente não é passível de ser tutelado. Vale a pena insistir nesse caminho? A história vai comprovar que os erros, a dubiedade e atitude muitas vezes terraplanista do governo ou do presidente agravou e aprofundou parte das vítimas do Covid-19.
Um presidente que tem a necessidade de se digladiar com algo ou com alguém, instituições ou pessoas, para se manter ativo no seu segmento eleitoral, não vai mudar nossa compreensão de serenidade, de que precisamos ser o mais responsável possível para passar por esse gravíssimo momento. E se manter vigilante, não para que o presidente se sinta tutelado, mas limitado pela lei, pela ordem constitucional, pela delimitação dos Poderes.
Vamos nos preparando para um programa em que o PSDB vai oferecer ao país a nossa visão de crescimento econômico, com olho muito especial para o problema mais grave que se descortina com o coronavírus, que é a desigualdade social.
Seria um programa de distribuição de renda? O PSDB é responsável pelo maior programa de distribuição de renda do país, que não foi nenhum cartãozinho nem distribuição de dinheiro do tesouro. Foi o Plano Real e o fim da inflação. Temos os extremos, o governo Dilma [PT], que aumentou a paquidermice do estado brasileiro, o déficit das contas públicas, o nível de corrupção, e o estilo Paulo Guedes, alguém que viveu numa ponte aérea entre Rio e Chicago e não tem a compreensão social dos graves problemas que o país vive.
Guedes é um ponto de sustentação do governo, atraiu empresários e partidos como o PSDB, que apostou nele. O sr. se decepcionou? Os resultados da economia do primeiro trimestre comprovam esse desânimo. Isso não quer dizer que não vamos continuar de forma responsável ajudando toda e qualquer agenda econômica que tenha afinidade com o PSDB.
Cabe ao governo agora saber, quando o mundo voltar a rodar sua economia, o que fez para reposicionar o Brasil. E fez muito pouco. Mais choramingou e contestou os dados que estavam acontecendo no mundo até aqui do que preparou o Brasil para o momento da retomada dessa corrida mundial.
O sr. diz que impeachment de Bolsonaro seria agravar a crise, mas foi um dos incentivadores do impeachment de Dilma. Qual a diferença? Durante o impeachment de Dilma, a economia do mundo era líquida, o mundo crescia mais do que o Brasil, que estava seguindo para a bancarrota. No governo Bolsonaro, o mundo vive uma das mais graves crises econômicas de sua história. Temos a soma de um colapso mundial com hecatombe interna, o que é explosivo.
Cabe uma autocrítica do PSDB por ter iniciado o processo que culminou na eleição de Bolsonaro, no sentido de contestar a eleição de 2014, surfar na Lava Jato, apoiar o impeachment de Dilma e até abraçar Bolsonaro, como Doria fez? O mea-culpa do PSDB é sempre de não ter, em momentos específicos, atitudes mais afirmativas. Podemos voltar no tempo e lembrar que foi uma decisão do STF que vedou a nomeação de Lula para o cargo de ministro e aquilo acelerou o processo de impeachment. Bolsonaro pode ser resultado de uma decisão do STF.
Não há como nós brincarmos com a história e estabelecermos quem se aproveitou de que ou de quem. A política não é feita de videntes. Bolsonaro é resultado do impeachment? Claro que sim, como é um resultado da própria participação do Supremo num episódio que foi um elemento para isso também. Mas isso tem que ficar para o aprendizado e livro de história.
Uma coisa eu posso afirmar: a decisão do afastamento da presidente Dilma Rousseff foi correta porque o país não iria aguentar o caminho que seguia do abismo econômico, social e de descrença interna e externa.
Mas esse passado não deixa alguma lição? Por exemplo de que abraçar candidaturas aventureiras não é o caminho. Entre Bolsonaro desconhecido e o PT, que nós conhecíamos profundamente, era preferível apostar num fio de esperança, que não funcionou, do que em algo que, na minha concepção e de muitos nossos, também não iria funcionar.
O nosso papel é que, em 2022, possamos chegar com uma frente construída, e o PSDB não quer apresentar prato feito, não quer entregar candidato pronto. O PSDB quer participar de um conjunto de discussões de partidos políticos e da sociedade, que acredite que nós possamos chegar com uma alternativa fora do bolsonarismo e fora do lulopetismo.
Temos o principal protagonista nosso, claro, que é o governador de São Paulo. O PSDB terá alternativas, sim, para oferecer, mas respeitando a discussão coletiva dessas alianças que possam ser formadas no campo dos partidos que querem estar distantes do lulopetismo e do bolsonarismo.
A candidatura de Doria em 2022 então ainda não está colocada? É colocada, porque é uma liderança real, posta. Mas ninguém pode construir um papel de liderança dizendo que só serve para mim. Muito menos o governador João Doria tem feito um conjunto de diálogos e de conversas se apresentando como alternativa única.
É possível que um projeto de centro seja vitorioso nas urnas num país que politiza até cloroquina? A sociedade, conhecendo os dois extremos tem tudo para voltar a buscar uma solução mais racional, de diálogo mais comum, que consiga ter um grau de consenso maior, para que o governo possa se dedicar mais a governar do que a se digladiar.
O centrão apoiou Alckmin em 2018 e hoje aceita cargos em troca de apoio a Bolsonaro. Como vê esse comportamento? É a parte da estratificação política que procura sempre o governo. Vai haver tanto com Bolsonaro, como houve com Dilma, Lula, FHC. Qualquer coisa diferente disso é utopia. O fato é que o presidente Bolsonaro reagiu contra isso e queimou a língua.
Qual expectativa para eleições municipais e a eleição em São Paulo? Estamos otimistas, a começar pela principal cidade do Brasil, com a reeleição de Bruno Covas, que terá de nós absoluta prioridade. A população vai entender que Bruno não teve tempo de se dedicar a campanha porque estava fazendo algo muito mais relevante, estava salvando vidas.
Uma de suas promessas ao assumir o PSDB era enfrentar o que estava debaixo do tapete e, realmente, o conselho de ética analisou o caso Aécio, mas o absolveu. O PSDB é conivente com a própria corrupção? O PSDB não absolveu Aécio. Deu o direito de aguardar uma decisão judicial para a partir daí [ter] uma decisão definitiva.
Estamos falando de alguém que tinha sido candidato a presidente da República, governador de Minas Gerais, senador, presidente da Câmara, fundador do partido, com um grau de relações. O partido não é feito de cal e cimento. É feito de pessoas que se relacionam, e ele tinha relação de convivência de décadas com essas pessoas.
Estamos falando de uma sentença ou de um trânsito em julgado? Não ficou claro, mas em política o que vale é o tamanho da percepção. Havendo qualquer decisão, essa reflexão pode ser feita.