Roberto Freire quer “arrependidos” em atos contra bolsonaro

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Foto: LUIS MACEDO – CÂMARA DOS DEPUTADOS

Recém-chegado no grupo de partidos que tentam formar uma frente para tirar o presidente Jair Bolsonaro do poder, o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, tem defendido, cada vez mais, o caráter amplo da empreitada. Para Freire, dois pontos devem ficar bastante explícitos para que a frente triunfe. Um deles é que as participações tenham caráter realmente “amplo”: “Não se pode vetar ninguém”, defendeu. Em relação aos objetivos, Freire também é claro: “Não pode ter caráter eleitoral, rumo a 2022”, destacou.

“A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que essa frente não trata de 2022. Na hora que entrar qualquer discussão eleitoral, dificilmente se fará uma frente contra o desmantelo que aí está. Não posso estar falando quem é que vai se coligar, ou não, que alternativas. Se eu antecipar essa discussão, eu me esqueço de qual é a nossa tarefa imediata.”

Roberto Freire é dirigente partidário desde o período da repressão. Antes, era do PCB, antigo “partidão”, do qual saiu em 1992 para fundar o Partido Progressista Socialista (PPS). Deixou no início dos anos 1990 o peso do termo comunista, aderindo a uma postura mais liberal. Em 2019, mais uma carga ideológica foi retirada de sua vida e da própria legenda. Na onda de siglas que tentavam se desvencilhar dos desgastes políticos atrelados aos partidos, o PPS deixou de uma vez só os termos “partido” e o desgastado “socialista”, mudando para Cidadania.

Em entrevista ao Metrópoles, Freire ressaltou a necessidade de que o movimento, que vem sendo chamado de “Janela para a Democracia”, não exclua ninguém, principalmente os “bolsonaristas arrependidos”. “Uma atitude que eu tenho é de defender nessa frente ampla que estejamos abertos para os dissidentes. Eu defendo isso claramente. Não temos que ter veto a ninguém que queira vir defender a democracia e se opor ao governo Bolsonaro. Não tem que ter veto”, enfatizou.

“Bolsonaro é protofascista, não resta dúvida, mas nem todo eleitor dele é fascista”

Ao falar sobre a resistência à ditadura, ele lembrou o exemplo de Teotônio Vilela, que se transformou em um símbolo de luta pela anistia.

“Aprendi isso muito bem, foi fundamental. Nós, do velho PCB, tínhamos essa mesma compreensão na luta contra a ditadura. Quem quisesse lutar contra a ditadura que viesse se integrar e não tínhamos por que vetar. Teotônio era da Arena, tinha apoiado o golpe em 1964. Ele veio e se transformou em um símbolo da luta pela anistia e pela democracia. Por isso, eu não tenho porque vetar quem quiser vir defender a democracia e se opor a esse governo obscurantista e irresponsável”, defendeu.

Freire, que chegou ao movimento convidado pelo presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, já tem mantido conversas com lideranças do DEM, do PSDB e do MDB para atraí-los para a frente. Já em relação ao seu partido, que tem oito deputados na Câmara, luta internamente para vencer a narrativa de alguns membros de que ainda não é o momento de ingressar na defesa do impeachment.

“O Cidadania, como partido, ainda está discutindo. Tem alguns que ainda acham que não é o momento e então estamos com um certo cuidado. Mas eu, pessoalmente, acho que é a alternativa que temos, pelo desmantelo, total insensatez e irresponsabilidade do presidente. Estou falando desmantelo, para não ficar citando crimes que ele comete, de responsabilidade e alguns até comum”, observou.

“Todo movimento que for em defesa da democracia, que está sendo ameaçada, é evidente que conta conosco. Se for de oposição a Bolsonaro, melhor ainda”, observou.

Um exemplo grave citado por ele foi a fala do secretário de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, para que a oposição “não estique a corda” em relação a um golpe militar.

“Trata-se de uma declaração absurda. É uma ameaça de um golpe. Se tem uma régua que mede a oposição, e você pensa que na ditadura essa régua era muito mais forte: calou a oposição? Não calou. Matou, torturou, fez miséria. Mas não calou. Não pense você que vai calar”, disse Freire, defendendo uma reação da oposição à fala do general.

“Tenho a impressão de que a oposição deveria pedir ao Congresso para declará-lo ‘persona non grata’. É uma moção de desconfiança contra um ministro que agrediu a oposição brasileira. Não é uma agressão a um opositor que seja desafeto. Ele está ameaçando aquilo que é fundamental na democracia: a existência da liberdade de organização, de expressão, enfim, a própria existência de uma oposição”, observou.

Freire também classificou como “estúpido” o comportamento de Bolsonaro de pedir para seus apoiadores invadirem hospitais para checar a real ocupação dos leitos destinados ao tratamento do coronavírus.

“Ele é um insensato completo. Estava vendo ele falando para pessoas invadirem hospitais. Que loucura é essa? Em qualquer momento de normalidade, ter uma ideia dessas é de uma estupidez sem tamanho. É um crime. Imagine em uma pandemia! Como pode uma pessoa dessa ser presidente de um país como o Brasil? Ele está transformando isso aqui em uma republiqueta das mais reles possível”, condenou.

Para ele, mesmo com as limitações impostas pela pandemia, Bolsonaro sentiu as manifestações contrárias a ele que tomaram as ruas de capitais brasileiras no domingo passado. “Olha que não houve nada organizado ainda, mas as pequenas manifestações que foram para as ruas já aperrearam Bolsonaro”, disse, usando o termo de sua terra natal, Pernambuco.

Freire ainda comentou os movimentos de Bolsonaro no sentido de buscar ter uma base no Congresso que possa garantir a ele a derrubada de eventual processo de cassação. Freire, que participou ativamente de dois impeachments, o de Fernando Collor e o de Dilma Rousseff, alertou que essa busca, apesar de legítima, pode ser inócua diante de um processo político.

“Já participei de dois impeachments, tanto de Collor quanto de Dilma. Uma coisa importante é que é um processo, e tanto Collor quanto Dilma buscaram anteparos nas articulações, colocando ministros, articulando com o Centrão. Collor tentou construir o ‘ministério dos notáveis’, buscando com isso uma força política que lhe concedesse 171 votos para impedir a denúncia na Câmara. Não adiantou nada. Quando veio, ele foi cassado. Dilma, a mesma coisa. O Centrão estava no governo, tinha ministros”, lembrou.

Freire fez questão de ressaltar o caráter democrático do processo de impeachment e apontou que o PT, diante do que ocorre atualmente no Brasil, tem dificuldades em manter a retórica de que, no caso de Dilma, foi um golpe. “Uma coisa que as pessoas precisam entender é que o impeachment consta no ordenamento jurídico brasileiro desde a primeira Constituição da República. Não é uma invenção de agora. É um instrumento que é próprio dos regimes presidencialistas. É um instrumento de defesa da própria democracia presidencialista”, observou.

“No caso da presidente Dilma, foi bem usado, foi justo. Essa coisa de dizer se houve ou não crime de responsabilidade, quem é que vai dizer que não houve? Não é nenhum juiz, não. Não é o Supremo. O julgamento do crimes de responsabilidade é feito pelo Congresso Nacional”, defendeu.

“A narrativa de que foi golpe contra Dilma inclusive está criando problema para para o próprio PT, agora que vamos discutir o impeachment do Bolsonaro. Os bolsonaristas é que estão dizendo agora que isso é golpe. Ou seja, trata-se da mesma cantilena”, defendeu.

“Lula está com uma tremenda dificuldade de falar do impeachment. Aí ele vai para o genérico ‘Fora, Bolsonaro’.”

Para Freire, o ex-presidente tem sido um “estorvo” na luta pela democracia e contra Bolsonaro, ao se recusar a assinar manifestos ao lado de adversários políticos, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

“Eu te digo logo que a resistência não é o PT. É de Lula e dos lulistas. Tem muitos líderes do PT que têm uma posição contrária a essa. Inclusive, de forma concreta, porque assinaram. Fernando Haddad e outros. Há pouco tempo, Lula disse que tratava os tucanos com o máximo de respeito, e não deu uma semana entrou com os dois pés contra FHC. Essas atitudes só atrapalham. Ele está se transformando em um estorvo à formação de uma frente”, observou.

Já em relação ao ex-candidato Ciro Gomes, que tem puxado o movimento frentista, Freire aponta uma postura mais de diálogo. “Não vou falar de Ciro, porque ele está trabalhando para a construção da frente. Ele também, algumas vezes, é muito agressivo em relação a FHC, mas tem conversado com FHC publicamente, em um diálogo. Eu o vejo claramente aberto para uma frente para uma ação concreta agora, capaz de se articular. Ele fez isso. Lula não fez, ao contrário. Eu não colocaria Ciro em igualdade com Lula porque ele deu demostração de que está aberto ao diálogo. Lula, ao contrário, fica vetando.”

Metrópoles