Apesar da pressão internacional, governo estimula desmatamento

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Foto: Reuters

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) pode perder até 20% de seu orçamento no ano que vem, segundo aviso feito pela direção da autarquia a servidores do órgão. A possibilidade foi confirmada por mais de um funcionário do Ibama à reportagem da BBC News Brasil.

Na prática, o corte seria bem maior que 20% em despesas não-obrigatórias, como as ações de fiscalização. Verbas destinadas à folha de pagamentos de servidores são fixas e têm pouca margem para reduções.

A possibilidade de cortes começou a ser discutida agora porque o Executivo está se preparando para enviar o projeto de lei do Orçamento de 2021 ao Congresso. Conforme a Constituição de 1988, a Lei Orçamentária Anual (LOA) é enviada pelo Executivo ao Congresso até o dia 31 de agosto.

A situação no Ibama já não é boa hoje. No Orçamento de 2020, o órgão conta com R$ 1,75 bilhão para todas as suas despesas — uma redução de 14,8% em relação aos R$ 2,05 bilhões de 2019.

A falta de investimentos ao longo dos últimos anos se traduz, entre outros problemas, em falta de pessoal para tocar as fiscalizações: em 2010, a autarquia tinha 1.311 fiscais em atividade, número que caiu de forma contínua até atingir apenas 730 agentes no ano passado.

A discussão sobre mais um corte nas verbas do Ibama acontece num momento de aceleração no ritmo de queimadas e desmatamento na porção brasileira da floresta amazônica.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o mês de junho deste ano registrou 2.248 focos de incêndio no bioma — é o maior número desde 2007. É também um aumento de 19,5% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando foram registrados 1.880 focos.

Segundo o sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Inpe, foram 1.034 quilômetros quadrados de floresta devastados no mês passado: um aumento de 25% em relação a 2019.

No ano passado, o Brasil ganhou as manchetes no mundo graças ao aumento do desmatamento e das queimadas na região Norte do país.

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP) lamentou a possibilidade de novos cortes no Ibama e disse que haverá resistência no Legislativo, a quem cabe aprovar a Lei Orçamentária Anual. “Com mais esse corte no ano que vem, a coisa ficará mais difícil ainda”, disse ele à BBC News Brasil.

“Uma parte das verbas do Ibama era composta por dinheiro que estava vindo de fundos específicos, e que acabaram sendo deixados de lado. Então o governo abandonou o Fundo Clima, (retirou do Ibama) o Fundo de multas (ambientais), acabou com o Fundo Nacional do Meio Ambiente, acabou com o Fundo Amazônia. Então essa outra fonte de custeio, que cobria coisas específicas, como a fiscalização, está sendo deixada de lado”, disse o deputado.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o governo brasileiro deixou parada no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDEs) uma quantia de R$ 33 milhões do Fundo Amazônia, doada pelos governos da Noruega e da Alemanha. O dinheiro seria destinado ao Ibama e à Força Nacional, para ações de fiscalização na floresta. Em nota, o Ibama afirmou que pretende usar o saldo disponível até o fim do ano.

Nesta quinta-feira (09), o vice-presidente Hamilton Mourão disse que está mantendo conversas com alemães e noruegueses, que eram os principais doadores do Fundo Amazônia. Os dois países interromperam os repasses ao Fundo em agosto passado, no auge da crise das queimadas.

“Uma vez que a gente consiga apresentar dados consistentes, os recursos que estão lá serão novamente reabertos para os projetos relacionados ao desenvolvimento, proteção e preservação da Amazônia”, disse Mourão a jornalistas, no Palácio do Planalto.

A reportagem da BBC News Brasil procurou o Ibama para comentar a possibilidade de um novo corte no Orçamento de 2021, mas ainda não houve resposta.

Apesar do orçamento total de R$ 1,75 bilhão do Ibama, uma parcela muito menor está destinada à fiscalização contra queimadas e desmatamento: apenas R$ 76,1 milhões, dinheiro que já foi quase todo gasto no primeiro semestre deste ano.

O Ibama não teria conseguido prosseguir com as fiscalizações em 2020 se não fosse pela injeção de R$ 50 milhões, recuperados da Petrobras pela operação Lava Jato.

Do total de R$ 2,6 bilhões recuperados pela Força-Tarefa, R$ 1,6 bilhão foram destinados à Educação, e R$ 1 bilhão para a proteção ao meio ambiente, conforme acordo selado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em setembro do ano passado.

Apesar de ter permitido ao Ibama fechar as contas deste ano, a divisão está longe de ser favorável para a autarquia. Do dinheiro enviado pelo STF, as Forças Armadas receberam R$ 520 milhões, mais de de dez vezes o montante do Ibama — o dinheiro deve ser empregado nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas pelas Forças Armadas na região amazônica.

Mesmo com o alívio momentâneo, a destinação de verbas não chega a tranquilizar as pessoas que acompanham a situação do Ibama.

“Já estão tendo reuniões internas para ver como vai ficar ano que vem, porque a ordem é cortar 20%. E aí não tem dinheiro do STF: é cortar 20% em cima daqueles 77 milhões (disponíveis para ações de fiscalização)”, diz uma observadora, sob condição de anonimato.

O Ibama foi criado em 1989 como resultado da fusão de vários órgãos anteriores: as antigas Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da Superintendência da Borracha (Sudhevea) e da Secretaria de Meio Ambiente (Sema). Esta origem significa que a nova autarquia herdou a folha de pagamento de aposentados e pensionistas das antigas superintendências — hoje, a folha consome boa parte do Orçamento do órgão.

Isto significa que, do orçamento total do Ibama para 2020, 82,9% já foram empenhados — isto é, já estão comprometidos com algum gasto. Segundo técnicos consultados pela BBC News Brasil, isto acontece porque a autarquia costuma empenhar logo no começo do ano o dinheiro destinado ao pagamento da folha de salários, aposentadorias e pensões.

As dificuldades do órgão se refletem na queda do número de multas aplicadas: foram 2.518 autuações ambientais de janeiro a maio, uma queda de 54% em relação ao mesmo período no ano passado. É o menor número de multas aplicadas ao menos desde o ano 2000, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), segundo levantamento do site jornalístico Poder360.

Na última segunda-feira (6), um grupo de 12 procuradores da República pediu o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Na peça, os procuradores argumentam que Salles age deliberadamente para enfraquecer a proteção ambiental no Brasil — o que inclui, segundo os procuradores, a desarticulação do trabalho do Ibama.

Para o MPF, Salles agiu desta forma ao exonerar três coordenadores de fiscalização do Ibama, em abril de 2020, após operações bem sucedidas em terras indígenas no município de Altamira (PA).

Nas operações, em março, foram destruídas em torno de 100 máquinas e equipamentos usados para o desmatamento. O fato de os coordenadores terem perdido o cargo configura a intenção de retaliá-los, na visão dos procuradores. As exonerações ocorreram após o presidente Jair Bolsonaro reclamar da destruição dos artefatos.

Além disso, os procuradores também mencionam uma instrução normativa assinada por Ricardo Salles reduzindo o número de horas que os servidores podem dedicar a atividades de campo, como a fiscalização ambiental. Segundo os procuradores, “esse fato forçou a fiscalização do Ibama a adequar-se a um regime de registro de frequência incompatível com suas funções, em claro prejuízo às ações, uma vez que o atendimento às ocorrências de ilícitos ambientais não necessariamente ocorre durante o horário regular de trabalho”.

Os procuradores também citam o fato de Salles ter rompido a cadeia de comando de órgãos como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No Ibama, Salles removeu os superintendentes do órgão em 21 dos 26 Estados brasileiros logo no começo de sua gestão, em fevereiro de 2019. Os cargos ficaram desocupados durante meses — em Pernambuco, a superintendência segue sem comando, mais de um ano depois.

À BBC News Brasil, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disse à época que a ação dos procuradores é baseada em “evidente viés político-ideológico” e que se trata de uma “clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal”.

A pasta também disse que a ação não trazia acusações novas — apenas casos que já teriam sido rejeitados pela Justiça.

“As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes”, diz o MMA, em nota.

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