Atual chefe da OEA é extremista de direita
Foto: Edgard Garrido – 30.mar.17/Reuters
Três semanas após a morte de Hugo Chávez (1954-2013), o chanceler do Uruguai à época, Luis Almagro, deu uma entrevista à emissora Telesur na qual dizia que “Nicolás Maduro é a consolidação de um processo de sucesso tanto na política interna quanto na projeção internacional da Venezuela”.
O país caribenho vivia, naquele momento, uma campanha eleitoral para eleger o sucessor do presidente, vítima de um câncer aos 58 anos. Não era a primeira vez que Almagro elogiava o chavismo. Ele já havia feito o mesmo em discurso na Assembleia Nacional, em Caracas, quando Chávez ainda era vivo.
Desde que foi eleito secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), em março de 2015, no entanto, a batalha pelo fim do chavismo virou seu principal objetivo à frente do órgão.
Com Almagro, a OEA deixou de ser um organismo facilitador do diálogo pelo fim de crises institucionais e pró-defesa de direitos humanos para ganhar contorno de instituição política, que adota uma linha clara de defesa da direita na América Latina. Em março, com essa mesma bandeira, foi reeleito ao cargo.
De 2015 para cá, o uruguaio apoiou a criação do Grupo de Lima, a autoproclamada presidência do opositor Juan Guaidó e o discurso de países como Estados Unidos e Colômbia em favor de que, para a saída de Maduro do poder, “não se deve descartar nenhuma opção sobre a mesa, incluindo a militar”.
Qual dos dois Almagros é o verdadeiro? O que elogia o regime venezuelano e chegou a sair em fotos ao lado de Chávez e Maduro ou o que hoje busca intervir em situações de crises internas, sempre se posicionando contra populistas e ditadores de esquerda, como ocorreu na Bolívia e na Nicarágua?
“Provavelmente ambos”, diz o analista político uruguaio Daniel Chasquetti. “Quando era chanceler do [ex-presidente Pepe] Mujica, Almagro se entusiasmou com a agenda progressista ousada do Uruguai para a política externa. Ele pegou carona na projeção internacional de Mujica.”
Quando eleito à secretaria-geral da OEA, no entanto, explica Chasquetti, o vento político da região havia mudado de direção, e ele achou que devia se converter para ser relevante. “E os recém-convertidos sempre costumam ser mais radicais, porque só assim se sobressaem.”
A mudança radical de opinião sobre a Venezuela pode ter custado o fim de sua vida pública no Uruguai. Amigos e diplomatas dizem que ele tinha ambições de fazer uma carreira política no país e, talvez, até de se apresentar como candidato a presidente pela esquerdista Frente Ampla.
Só que o partido, liderado pela ala “tupamara” —a de esquerda mais radical e comandanda por Mujica—, pediu sua saída. Em reunião do tribunal disciplinário, no fim de 2018, foi expulso por unanimidade.
“Foi um grande vexame e causou tamanho desgaste que, hoje, mesmo quem pensa como ele, como a centro-direita, ficou contra. A sociedade uruguaia não gosta de quem muda de convicção”, diz Chasquetti.
Mas o momento decisivo da OEA sob seu comando foi no último ciclo eleitoral da Bolívia, que começou em 2018, nas primárias presidenciais, e ainda não terminou, já que o pleito foi anulado após denúncias lideradas por Almagro de fraude na contagem de votos. Haverá nova eleição em 6 de setembro.
Antes, quando Evo Morales quis se candidatar ao quarto mandato consecutivo por meio de uma manobra, o uruguaio não se opôs, “talvez porque não quisesse ter as mesmas dores de cabeça que tem com a Venezuela”, diz o ex-presidente boliviano Carlos Mesa, adversário do líder indígena em 2019.
Na ocasião, a OEA considerou legítimo o argumento de Evo, para quem concorrer em uma disputa eleitoral é um direito humano garantido por tratados internacionais, interpretação que estaria acima do que diz a Constituição do país —a Carta aceita apenas uma reeleição.
Depois, porém, quando Evo declarou ter vencido o pleito em uma contagem de votos sob denúncias de irregularidades e vaivéns, Almagro mudou de ideia.
Em meio a um cenário de tensão social nas principais cidades do país, a OEA, baseada em uma apuração própria sobre como a contagem de votos foi realizada, aconselhou a anulação do pleito e a convocação de uma nova eleição.
Estudos de pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e independentes, usando dados de autoridades eleitorais bolivianas, no entanto, revelaram que a análise estatística da OEA foi falha. Os resultados das investigações foram publicadas no Washington Post e no New York Times.
Tarde demais. O processo já havia tomado seu curso: Evo, pressionado pelas ruas e pelas Forças Armadas, renunciou, e a atual presidente interina, Jeanine Añez, chegou ao poder de modo tortuoso.
O MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Evo e Luis Arce, candidato no novo pleito, já declarou que não quer a OEA entre os observadores internacionais na votação de setembro.
Almagro também deu sinais confusos sobre a Nicarágua. Ao mesmo tempo em que ele denunciou violações de direitos humanos da ditadura de Daniel Ortega, os enviados da OEA ao país mantiveram reuniões de trabalho —e recreativas— com os sandinistas que apoiam o orteguismo.
“A turma que Almagro levou para trabalhar com ele em Washington [sede da OEA] é a mesma da época da chancelaria uruguaia, todos de esquerda e ex-frente-amplistas”, explica Chasquetti. “São todos políticos da velha guarda dos socialistas uruguaios que também mudaram de rumo.”
Cuba foi outro tema que viu as duas versões de Almagro. Logo que assumiu o cargo de secretário-geral, disse que faria de tudo para que a ilha retornasse à OEA. Alguns anos depois, declarou que aquela era “a pior ditadura das Américas” e deixou o plano de lado.
Aos 57 anos, Almagro começou sua vida política no Partido Nacional, o mesmo do atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou.
Amigos o definem como alguém afeito ao diálogo e bem-humorado, um sujeito simples que costuma mostrar o lado informal sempre que possível. Vai trabalhar de mochila, como fez toda a vida, e gosta de ficar em bares com pessoas próximas por horas.
É torcedor do Nacional, uma das duas grandes equipes de futebol do Uruguai, ao lado do Peñarol, e vegetariano, apesar de uruguaio —o país é conhecido pelo amor ao churrasco. Joga xadrez desde a infância, estimulado pelo pai e desafiado pelo irmão mais velho.
Leitor de poesia e ouvinte de música popular, é fã de Jaime Roos, compositor que mistura rock com ritmos do Rio da Prata, como o candombe e a milonga.
Tem sete filhos e é casado com a sul-africana Marianne Birkholtz, que, assim como ele, também é diplomata. A diplomacia, aliás, permeia a vida de Almagro.
Entre 2007 e 2010, durante a primeira gestão de Tabaré Vázquez, da Frente Ampla, foi embaixador na China. Voltou ao Uruguai a convite de Mujica para ser chanceler, cargo que exerceu entre 2010 e 2015.
O ex-tupamaro tinha planos ousados para a política externa uruguaia. Foi sob a condução de Almagro que o país abriu um programa pioneiro de recepção de refugiados sírios e atendeu a um pedido do então presidente dos EUA, Barack Obama, de abrigar ex-prisioneiros de Guantánamo.
Também durante o período de Almagro como chanceler, o Uruguai apoiou a expulsão do Paraguai do Mercosul, em 2012, e a entrada da Venezuela, mesmo sem cumprir todos os requisitos estabelecidos no estatuto do órgão —hoje o Paraguai está de volta, e a Venezuela, suspensa por tempo indeterminado.
A reeleição de Almagro à frente da OEA, em março, teve forte rejeição de Argentina e México.
O presidente argentino, Alberto Fernández, posicionou-se contra a maneira como o órgão atuou na Bolívia e anunciou apoio à candidata rival ao posto, a ex-chanceler equatoriana Maria Fernanda Espinosa.
Já a embaixadora mexicana no órgão, Luz Elena Baños, diz que “Almagro atua como se a OEA fosse um Estado-membro, e não uma entidade imparcial que deve fomentar o diálogo e a conciliação”.
Recentemente, Almagro saiu em defesa de Jair Bolsonaro contra o New York Times, que publicou reportagem sobre riscos de uma ameaça militar no Brasil.
Pouco depois, soltou comunicado da OEA com ataques ao que chama de “campanha de difamação” do jornal americano à atuação do órgão nas eleições bolivianas, ação decisiva para a renúncia de Evo.
Procurado, Almagro, por meio de sua secretária, informou que não está concedendo entrevistas.