Bolsonaro banaliza uso da Força Nacional
Foto: IGO ESTRELA/METRÓPOLES
Combate ao crime organizado, apoio no sistema carcerário, na segurança ambiental e na manutenção da ordem pública. Operações do tipo, executadas pela Força Nacional, tiveram aumento de 21% em apenas três meses. Saltaram de 43, em março, para 52, em junho. Incremento de nove missões ativas no país.
O volume, porém, é criticado por especialistas em força policial e segurança pública, que veem o governo federal tentando fazer o trabalho que seria dos estados e das polícias locais como parte de uma estratégia de marketing.
Os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, obtidos com exclusividade pelo Metrópoles, reforçam uma tendência iniciada no ano passado, quando as operações da corporação dispararam 59% na comparação com 2018.
A Força Nacional é composta por policiais militares e civis, bombeiros militares e profissionais de perícia dos estados e do Distrito Federal. Atuam em fronteiras, presídios, reservas ambientais, áreas indígenas, policiamento ostensivo e em situações de Garantia de Lei e da Ordem (GLO).
Atualmente, a Força Nacional está em 18 estados — 66% do território nacional. Em média, segundo os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, cada unidade da Federação tem em atividade três operações.
Para se ter dimensão da atuação da corporação, o volume de operações de 2020 equivale a 69,3% de todas as missões executadas em todo o ano passado, quando ocorreram 75 procedimentos do grupo. Apesar de a força ter sido acionada com mais frequência nos últimos anos, a escalada mais intensa coincide com o mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Os dados do governo federal mostram que, desde 2014, a Força Nacional agiu em 388 chamados, entre intervenções em presídios, territórios indígenas, reservas ambientais e fronteiras, além de ações de preservação de patrimônio etc.
O uso generalizado da Força Nacional é visto com ressalvas. Cientista político especializado em segurança pública pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-subsecretário Nacional de Segurança Pública, Guaracy Mingardi analisou os números a pedido do Metrópoles. Para ele, há um exagero por parte do governo.
“É impossível ter emergência policial em 18 estados. O governo está usando uma polícia que não é polícia para fazer o trabalho de polícia. A polícia preventiva é a militar. Outra questão a ser observada é a permanência muito longa nos estados”, critica.
Guaracy aponta que, em muitos casos, a corporação acaba fazendo o trabalho corriqueiro, que seria tarefa das polícias. “Acaba sendo usada da forma errada. Quando a Força Nacional foi criada, o objetivo era agir em emergências e evitar o envio do Exército e a GLO [Garantia da lei e da Ordem]. Mas o que tem acontecido é o emprego da estrutura em ronda ostensiva”, finaliza.
O coronel José Vicente, ex-comandante Polícia Militar de São Paulo, concorda com Guaracy. “Não é justificável”, avalia. “Não temos 18 estados com crises que exijam o uso da Força Nacional. Não tem sentido que a Força Nacional faça aquilo que as PMs estaduais podem fazer”, explica.
O militar defende que a estratégia seja usada em ações de fronteira, combate a garimpo ilegal e em situações extremas. “A Força Nacional tem de atuar quando a PM do estado não tem recursos nem preparo para determinada situação ou quebra de ordem pública”, emenda.
Para o militar, o uso desordenado é uma estratégia de marketing. “É um ação política de quem pede, dizendo que ‘resolverá’ o problema com recurso da União, e do governo federal, que manda sabendo que não vai resolver. Isso vai esfacelando recurso do Fundo Nacional de Segurança Pública. É uma má gestão. Fantasiam os agentes como tropa de guerra, mas eles são policiais. Usam armas pesadas, roupa camuflada e não têm esse tipo de demanda urbana”, avalia.
As mais recentes autorizações da pasta para a atuação da Força Nacional ocorreram na última semana. Trata-se de prorrogação de operações. A Paraíba e o Mato Grosso do Sul receberam a chancela. Os paraibanos contarão com a fiscalização do grupo até 11 de outubro na prestação de “apoio técnico operacional em aviação policial”.
Já os sul-mato-grossenses terão a corporação em ações integradas de combate a crimes praticados nas áreas de fronteira do Programa Vigia, criado com o objetivo de blindar o país da entrada de armas, drogas e produtos contrabandeados. Os agentes estão autorizados a permanecerem no estado até o dia 29 de dezembro.
A legislação permite que a Força Nacional seja empregada em qualquer parte do território do país, mediante solicitação expressa do respectivo governador de estado ou do Distrito Federal.
Na prática, o grupo auxilia em investigações de infração penal, ações de inteligência, apoio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, apoio a ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos.
Cabe também à Força Nacional proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, fiscalização ambiental, atuação na prevenção a crimes e infrações ambientais e execução de tarefas de defesa civil.
Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Força Nacional está atuando em atividades destinadas à preservação da ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio, além do reforço no policiamento ostensivo nas fronteiras, presídios, ambientais e terras indígenas. “As operações seguem na mesma média do que no ano anterior”, resume, em nota.
Oficialmente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não divulga o número do efetivo da Força Nacional. A pasta argumenta que isso mantém a segurança das operações.