Bolsonaro é pressionado por verbas para deputados
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Pressionado por deputados federais, que, em ano eleitoral, querem irrigar suas bases com recursos, o Ministério da Saúde manobrou o orçamento para acelerar as transferências de recursos de combate à Covid-19 aos municípios. Na liberação de verbas para os estados, porém, o governo federal não mostrou a mesma agilidade.
Em um primeiro movimento, a pasta triplicou o recurso empenhado (reservado para pagamento posterior) para prefeituras, que saiu de R$ 5,8 bilhões no início de julho para R$ 17,5 bilhões, até o último dia 21. Ou seja, o ministério carimbou três vezes mais verba somente neste mês para os municípios do que fez desde março, quando a pandemia começou.
O mesmo não ocorreu com as transferências a estados, que, no mesmo período, tiveram um salto tímido: de R$ 4,1 bilhões para R$ 4,9 bilhões. E nem com os recursos para aplicação direta do próprio Ministério da Saúde no combate à Covid-19, que saíram de R$ 3 bilhões para R$ 3,2 bilhões. Segundo a pasta, o reforço financeiro aos municípios ocorre devido à recomendação de tratamento precoce da doença.
O segundo movimento do Ministério da Saúde foi retirar R$ 5,5 bilhões das outras duas modalidades de gastos (transferência aos estados e aplicação direta da própria pasta) para privilegiar os municípios. Estados perderam R$ 2,6 bilhões no montante autorizado e na aplicação direta a subtração foi de 2,9 bilhões. Já os municípios, na contramão disso, ganharam R$ 5,9 bilhões no total autorizado para repasses no âmbito da Covid-19.
Os movimentos ocorreram após deputados pressionarem o ministro interino da pasta, Eduardo Pazuello, a honrar com um acordo pela distribuição da verba relacionada ao novo coronavírus a prefeituras indicadas por parlamentares. O governo prometeu R$ 10 milhões a cidades escolhidas por cada deputado ou senador. Em uma portaria do Ministério da Saúde no início de julho, porém, a liberação de R$ 5,7 bilhões a municípios não bateu com os valores acordados, gerando frustração e cobrança pelo envio de mais verba.
Para Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, os critérios adotados pelo ministério em relação a quanta verba enviar para governos e municípios são “desproporcionais”. O secretário de Saúde do estado, Cipriano Maia, diz que o maior gasto na pandemia é da implementação de leitos de UTI e assistência, e que os estados, em sua maioria, é que arcaram com esse custo.
— Os municípios têm responsabilidade de fornecer atenção primária e ações de vigilância, mas muitos vão ter dificuldade de executar esse volume de verbas que foi transferido, porque a finalidade precisa ser o combate à Covid — diz Cipriano.
Para deputados federais que integram a comissão externa para acompanhar o enfrentamento à pandemia ouvidos pelo GLOBO, municípios são melhor capacitados para receber os recursos porque são responsáveis pelas unidades básicas de saúde do SUS. Eles citam o crescimento de casos de Covid-19 no interior do país como um fator relevante.
— A minha opinião é que não tem problema esse volume de recursos ser mandado para os municípios, porque as ações de saúde são dos municípios, como os repasses para as Santas Casas — diz Carmen Zanotto (Cidadania-SC). — Há estados que não conseguiram repassar as verbas que receberam para os municípios. Os prefeitos estão abrindo unidades básicas de saúde com horários estendidos, estão aumentando centros de triagem.
A guinada na execução do orçamento por parte do Ministério da Saúde pode significar não só o uso eleitoreiro das verbas, mas também a falta de aplicação adequada no combate à pandemia. Isso porque a maior parte dos municípios não tem capacidade de executar volumes expressivos de recursos em pouco tempo, além de as redes hospitalares mais avançadas serem em geral de âmbito estadual, e não ligados a prefeituras.
— Ver que o grosso dos recursos foi empenhado para municípios e de forma abrupta nos leva a crer que infelizmente boa parte não será utilizada por todas essas dificuldades — diz Claudio Ferreira do Nascimento, coordenador adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde.
‘Erro de concepção’
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Eduardo Lula, afirma que existe um “erro de concepção” ao se destinar mais verbas para os municípios. Embora ressalte que os governos municipais necessitam de auxílio, ele destaca que os custos mais robustos são arcados pelos estados.
— Os responsáveis pelas UTIs para Covid, pelo atendimento hospitalar mais complexo são os estados e não os municípios, com raras exceções. Existe um erro de origem nessa repartição. Quero acreditar que todo o recurso para municípios já foi empenhado e que haja também uma parte adequada para os estados — diz Lula.
O secretário de Saúde da Paraíba, Geraldo Antônio de Medeiros, lembra que a maior função do combate à pandemia é dos estados, já que eles concentram a estrutura hospitalar, especialmente em regiões em que os municípios têm poucos recursos, como o Nordeste.
— Os respiradores e os kits de extração são centralizados basicamente na capital e nas grandes cidades. No caso do Nordeste, são poucas as cidades do interior que dispõem de UTI. Geralmente o laboratório central fica na capital, que é o caso da Paraíba. Então a maioria dos recursos deve ser direcionado para o Estado.
O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que “está recomendando a conduta precoce para evitar agravamento da doença. Para isso, os municípios devem estruturar a Atenção primária, motivo do reforço financeiro feito neste momento”. Ainda de acordo a pasta, “os critérios para distribuição (dos recursos) são técnicos e definidos a partir de necessidades apresentadas pelos gestores locais do SUS, em avaliação do cenário epidemiológico e da infraestrutura e capacidade local”.
A pasta disse também que “os valores repassados são divulgados na página do Ministério da Saúde para que os órgãos de controle e a sociedade acompanhem a execução dos recursos destinados ao combate da Covid-19”