Bolsonaro encena radicalismo, mas pega leve com instituições
Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
O presidente Jair Bolsonaro tem feito um exercício de malabarismo político desde que acenou com uma trégua ao Legislativo e ao Judiciário, esvaziando a chamada ala ideológica do governo, o que teve reflexos na sua base de apoio mais radical. Enquanto se alinha ao centrão do Congresso e adota um estilo conciliatório com os demais Poderes, Bolsonaro faz gestos para agradar e tentar manter o suporte do grupo que ficou em segundo plano.
A iniciativa mais recente foi o pedido, sábado, assinado pelo próprio presidente e pela Advocacia-Geral da União (AGU), para que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda decisões que tiraram do ar perfis de apoiadores do governo nas redes sociais. A solicitação, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, ocorreu um dia após contas de blogueiros, empresários, ativistas e políticos bolsonaristas serem suspensas pelo Twitter e Facebook, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Bolsonaro, que já atacou diretamente decisões judiciais de Moraes, entre elas a suspensão da posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, optou desta vez pela via institucional. O Supremo é tido como inimigo por integrantes da ala ideológica.
O recurso do governo ao STF foi comemorado por deputados federais da base bolsonarista. “A todos que argumentam que o Presidente Bolsonaro tem deixado de lado seus apoiadores diante dos desmandos de alguns ministros do STF, está aí a resposta. O Presidente é um democrata e age com a lei”, postou ontem o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ). “Estamos usando todos os meios possíveis para dar um basta nesses abusos”, concluiu o parlamentar.
O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), denunciado pela Procuradoria-Geral da República por meio de ataques ao ministro Alexandre de Moraes através de suas redes sociais, também parabenizou a iniciativa do governo. “Jair Bolsonaro nos dá sinais claros que não se tornará refém ou ficará apático diante da escalada de autoritarismo judicial. Parabéns, presidente!”, escreveu Otoni em uma rede social.
Também no sábado, Bolsonaro fez uma visita surpresa à casa da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), a quem destituiu abruptamente da vice-liderança do governo no Congresso, na semana passada, depois que ela contrariou a orientação do Palácio do Planalto e votou contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Fundeb, que financia a educação básica.
A parlamentar, integrante da ala mais ideológica dos bolsonaristas, admitiu ter ficado chateada com seu afastamento do posto, que soube pela imprensa, mas disse ao GLOBO que após o “gesto de muita consideração”, isso foi “completamente superado”.
— Fiquei muito feliz e eu acho que, não só para mim, esse gesto foi importante para muita gente no Brasil — disse a deputada, que foi às redes sociais divulgar e comemorar a visita, a primeira depois que o presidente passou por uma quarentena no Palácio da Alvorada por ter contraído o novo coronavírus.
Os afagos à ala ideológica sucedem o momento mais simbólico do enfraquecimento desse núcleo no governo, que foi a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, em junho. O ex-ministro, que neste domingo disse no Twitter ter sido “derrubado”, manteve o apoio da militância bolsonarista.
Mas Bolsonaro tem resistido a pressões de militares do governo e de membros dos outros Poderes pela saída dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também fortes dentro da ala ideológica. E já garantiu a permanência da dupla.
Para o lugar de Weintraub, Bolsonaro rifou indicados pelo centrão para nomear o pastor evangélico Milton Ribeiro, que não é uma sugestão direta dos “olavistas”, como ficaram conhecidos os seguidores do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, mas que foi um aceno ao grupo, que se mantém relevante dentro do MEC. A secretária de Educação Básica, Ilona Becskeházy, e o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, permanecem como representantes do conservadorismo no ministério.
Outro episódio que demonstrou o esforço de reaproximação da ala ideológica se deu depois que o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e o ex-vice-líder Otoni de Paula se estranharam nas redes sociais, devido a um comentário do primeiro sobre a postura de bolsonaristas “midiáticos”, que estariam atrapalhando a gestão do presidente e destruindo “o canal de diálogo”.
Otoni reclamou, disse seguir “firme com os ideais que levaram o presidente ao poder” e que não poderia ficar calado vendo “nosso líder se tornando refém”. No início da noite de sábado, Vitor Hugo afirmou que sua crítica foi tirada do contexto e defendeu a união dos aliados de Bolsonaro.
Vitor Hugo também elogiou a visita do presidente a Bia Kicis, que dias antes contrariou sua orientação na PEC do Fundeb. “Como disse, a hora é de unir e pacificar nosso lado e de nos contrapormos aos reais adversários”, disse ele.
Em outro aceno à pacificação, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, declarou em entrevista publicada neste domingo no GLOBO que acredita que a versão “paz e amor” de Bolsonaro terá vida longa. Ao mesmo tempo, Faria negou a existência do “gabinete do ódio” no Planalto e defendeu o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente mais engajado na comunicação do governo.