Bolsonaro estocou milhões de comprimidos de cloroquina
Foto: Reprodução/ Folha De S. Paulo
Técnicos que fazem parte de um comitê de emergência criado para assessorar o Ministério da Saúde em decisões sobre o novo coronavírus alertaram sobre o risco de o governo ficar com estoques parados de cloroquina. No início de julho, o governo federal tinha uma reserva de 4.019.500 comprimidos do medicamento—pouco abaixo do total que já havia sido distribuído, de 4.374.000 até aquele momento.
Em uma reunião no dia 25 de maio, momento em que o ministério negociava a vinda de ao menos três toneladas de insumos para serem trazidos ao Brasil para produção do medicamento, os técnicos alertaram para o risco de estoque parado.
“Devido a atual situação não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas”, diz documento que registra o encontro, obtido pela Folha.
O total parado em estoque, no entanto, poderia ser ainda maior, já que alguns estados não quiseram receber o medicamento.
“Com isso, ficou em estoque para devolução 1.456.616, estamos aguardando maiores definições para proceder ou não com o recolhimento”, aponta o registro do encontro.
O mesmo documento diz que novas distribuições de cloroquina estariam previstas entre julho e agosto, mas não traz previsão de locais ou quantidades.
Sem comprovação cientifica de eficácia para o novo coronavírus, a cloroquina é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Infectado com a doença, ele diz ter tomado o medicamento.
O histórico das reuniões dos técnicos do Ministério da Saúde também mostra que algumas mudanças nas orientações para ampliação da oferta da cloroquina foram apenas comunicadas ao comitê por alguns membros do ministério, sem que técnicos tivessem poder de decisão sobre as medidas.
No dia 9 de junho, por exemplo, representantes da secretaria de gestão do trabalho e educação em saúde apresentaram a proposta de oferta de cloroquina também para crianças e gestantes, na contramão do recomendado por parte das entidades do setor.
“Foi pontuado que os técnicos do COE fazem sugestões, mas não tem chancela administrativa sobre o documento. Ele é apresentado apenas para ciência deste COE”, informa a ata.
Dias antes, atas de reunião já orientavam que demandas sobre a cloroquina enviadas pelos municípios fossem enviadas à secretaria –a qual, na prática, não compete fazer análise de medicamentos, mas sim de organizar ações de capacitação e apoio a profissionais de saúde.
No mesmo dia em que alertou sobre o risco de ter estoques parados da cloroquina, ainda em maio, o comitê também citou, pela primeira vez, a escassez de medicamentos sedativos e analgésicos usados para intubação de pacientes em UTIs, apontando necessidade de reunião com a Casa Civil.
Medidas, porém, foram anunciadas apenas em junho. Em reunião, também houve uma orientação para que os dados sobre a escassez não fossem divulgados.
Procurado pela Folha, o Ministério da Saúde não comentou o teor das atas.
Sobre cloroquina, a pasta informou que “o uso de qualquer medicamento compete à autonomia e orientação médica, em consonância com o esclarecimento e consentimento do paciente”.
Disse ainda que a cloroquina “é usada em outros tratamentos, como a malária”.