Brasil sofrerá mais com covid19 que outros países

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Foto: Ricardo Moraes/Reuters

O colapso sanitário e epidemiológico veio consolidar, quando o desemprego já chegava a 12 milhões de pessoas, a crise econômica. O posicionamento ideológico radical e equivocado, somado a novos fatos sobre escândalos envolvendo o clã Bolsonaro, instalou a crise política. A família presidencial até tem tentado diminuir a temperatura, com menos declarações públicas e postagens polêmicas nas redes.

Mas a este caldeirão somam-se erros na questão ambiental, a deterioração da imagem brasileira na comunidade internacional por equívocos cometidos na pandemia e na política externa, o que, consequentemente, tem gerado o afastamento de investidores. O quadro isolou o governo internamente e até externamente, nos levando a um triste diagnóstico: o sofrimento brasileiro vai ser maior do que o dos outros países.

Epicentro da pandemia no mundo – com números de contágios e mortes pela Covid-19 que só perdem para os Estados Unidos -, o Brasil não verá logo uma saída deste cenário caótico. A solução provavelmente vai demorar. Por exemplo, os brasileiros devem esperar mais tempo do que os cidadãos de outros países para entrar na Europa e nos Estados Unidos. Até o principal aliado, Donald Trump, fez críticas e se afastou. “Eles estão tendo dificuldades”, disse, em duas ocasiões.

Com tudo isso, a economia deve demorar mais em sua recuperação do que a dos outros países, mesmo se comparado com os emergentes. Isso porque os dados do desemprego estão subestimados. Oficialmente em 12,7 milhões de pessoas, os números mostram que 8 milhões saíram da força de trabalho nos últimos três meses e não entraram na estatística porque não começaram a procurar emprego.

Como se sabe, o trabalhador só passa a constar na taxa de desocupação, como diz o IBGE, se está buscando uma nova posição no mercado. A pandemia está adiando esse procura. A demora do governo em socorrer as empresas, pequenas e médias, vai produzir uma devastação enorme na economia. Vamos patinar na produção mais do que outros países.

O embaixador Rubens Ricupero previu em maio a esta coluna que o país viraria um pária, o que acabou se confirmando nas semanas seguintes. O diplomata diz agora que “não era tão difícil antever que íamos por esse caminho”. Segundo ele, há quatro efeitos negativos para os brasileiros diante do quadro atual. “Creio que a primeira e óbvia resposta é que os brasileiros vão sofrer adicionalmente com mais mortes por tempo indefinido até que se adquira a famigerada ‘imunidade de rebanho’”.

“É curioso que ninguém na imprensa se escandalize com o número de casos que estamos tendo por dia. Nos EUA, com população bem maior e até agora o pior exemplo da pandemia, eles ficam chocados quando registraram 35.000 casos num dia. Hoje, no Brasil, de acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde, foram 48.000!” diz, com espanto, o diplomata. Em termos de contaminação por milhões de habitantes, o Brasil já ultrapassou os Estados Unidos, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Se colocarmos ao lado dessa avaliação as decisões de governadores estaduais que abandonam os cuidados iniciais e querem abrir tudo, mesmo sem haver condições, a situação só tende a se agravar. No Distrito Federal, por exemplo, o governador Ibaneis Rocha quer reabrir até cinemas, teatros e escolas na semana em que decretou estado de calamidade.

O quadro é mais alarmante porque, dos últimos seis dias, cinco registraram mais de mil mortes em decorrência da Covid-19. Isso mostra que o país pode não ter superado o pior momento. A Organização Mundial de Saúde teme um novo salto de contaminação com a reabertura da economia. Ainda há o agravante de que a doença tem crescido agora no interior, que não tem o número de leitos de UTIs das grandes cidades.

“O segundo efeito disso é que os demais países vão continuar a proibir o ingresso de pessoas procedentes do Brasil”, afirma Ricupero. Além dos Estados Unidos e da União Europeia, a Inglaterra deverá colocar o Brasil na categoria “red”, isto é, selo de um país cujos cidadãos não podem entrar no Reino Unido. “Em algum momento, não duvido que a proibição se torne generalizada e por tempo indeterminado, até que a situação aqui apresente melhora sensível”, avalia o embaixador.

Um terceiro efeito é que a persistência da pandemia vai tornar ainda mais lenta e incerta a recuperação da economia e a criação de empregos, com aberturas e fechamentos sucessivos, acredita Ricupero. Até o momento, o auxílio emergencial atenuou o impacto e, em regiões mais pobres como o Nordeste, deu certo alívio. “O que sucederá, porém, quando o governo não tiver mais condições financeiras enquanto a pandemia se prolonga?”, questiona.

Finalmente, em meio a este quadro difícil, voltou com força à imprensa internacional o noticiário de denúncias sobre as queimadas na Amazônia e no Cerrado, agora associadas ao possível agravamento de problemas respiratórios devido à Covid-19. “Seria assim o pior de dois mundos: o Brasil ser visto como vilão pela pandemia e pelas queimadas, uma agravando a outra”, acredita o diplomata.

As queimadas também têm consequências para os investimentos, mas é o efeito de uma tempestade quase perfeita que começa a ser sentido. “Nunca saiu tanto dinheiro do país, os fundos de investimento ameaçam começar a desinvestir de empresas brasileiras e isso no momento em que a estação dos incêndios está apenas começando”, diz.

Um dos efeitos na exportação foi a recente decisão chinesa de suspender as licenças de aquisição de carnes de pelo menos três frigoríficos brasileiros onde os trabalhadores apresentaram sintomas provocados pelo coronavírus. “Com a pandemia se propagando pelo Centro-Oeste, é provável que outros frigoríficos tenham de ser interditados”. Tudo isso somado indica que o Brasil e os brasileiros deverão sofrer mais.

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