Cúmplice de miliciano bolsonarista ganha cargo fantasma
Foto: Polícia Civil
Investigada como suposta “laranja” do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, uma veterinária do Rio de Janeiro é acusada de ter cargo “fantasma” em uma estatal do governo do Tocantins, entre 2015 e 2016. O Capitão Adriano – como é conhecido o ex-policial militar e líder de uma das mais violentas e influentes milícias do Rio – empregou a mãe e a ex-mulher no gabinete de Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ), na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), de 2007 a 2018.
Morto em fevereiro, na Bahia, depois de quase um ano foragido da Justiça, Capitão Adriano era amigo e próximo do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz preso no dia 18, em Atibaia – suposto operador do esquema de “rachadinhas” de Flávio. Os dois trabalharam na Polícia Militar do Rio.
Juliana Magalhães da Rocha teve o nome citado pela primeira vez por Leandro Abreu Guimarães, o competidor de vaquejadas, que acolheu o foragido Capitão Adriano, em sua propriedade na Bahia. “Dra. Juliana, na condição de veterinária, cuida de animais no circuito de vaquejada, e disse ter conhecido o Adriano em função da profissão”, registra o depoimento de Guimarães, dado em 12 de abril de 2020.
Leandro Guimarães foi preso com armas em seu sítio, em 9 de fevereiro de 2020. Ficou alguns dias na cadeia, mas foi colocado em liberdade, sob monitorado judicial, por tornozeleira eletrônica. Estrela local das vaquejadas, disse desconhecer que Adriano era miliciano. Afirmou que se apresentava como “Capitão Adriano” e dizia ser vinculado à Polícia Militar do Rio – com o miliciano, foi apreendido a carteira policial, que ele deveria ter entregue em 2014, quando foi expulso.
O miliciano teria passado os últimos cinco dias em sua casa, em Esplanada (BA). Procurado pela Justiça desde janeiro de 2019, quando foi deflagrada a Operação Intocáveis, Capitão Adriano foi morto em 9 de fevereiro escondido no sítio do vereador Gilson da Dendê (PSL), em Palmeiras, povoado vizinho – para onde foi, depois de saber que seria alvo de uma operação policial.
Juliana Rocha pode ser peça importante nas investigações sobre o patrimônio oculto do miliciano e levar a novas descobertas sobre os “amigos” do Capitão Adriano, ligados ao esquema na Alerj de “rachadinha” – quando os assessores contratos pelos deputados, muitos deles “fantasmas”, devolvem parte dos salários . Ela chegou a ser tratada por investigadores, como “uma prima” do Capitão Adriano.
No depoimento, Leandro Guimarães afirmou que conheceu “Capitão Adriano” dois anos antes, apresentando pela “veterinária. Dra. Juliana Magalhães Rocha” – que cuidaria de animais no circuito local de vaquejadas. O vaqueiro forneceu à polícia um telefone celular, com prefixo do Rio. Juliana Magalhães da Rocha não é foragida da Justiça, mas nunca foi encontrada por investigadores para prestar depoimento.
A Justiça também não localizou Juliana Rocha para comunica-la sobre o processo em que é acusada por improbidade administrativa. Em janeiro de 2019, o Ministério Público no Tocantins moveu ação cível contra a veterinária e pediu indisponibilidade de bens. A acusação diz que ela foi servidora fantasma na Agencia de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins. De meado de 2015 a meado de 2016, ela teria recebido salários do Estado, sem nunca ter trabalhado.
O pedido da Promotoria é resultado de um processo administrativo aberto em 2016, do Estado, que resultou na demissão de Juliana Magalhães. O governo publicou, em agosto de 2018, no Diário Oficial do Tocantis a demissão da “servidora”, com validade à partir de outubro de 2016. Contratada como fiscal de defesa agropecuária. Atuava na unidade da Adapec na cidade de Pium. Ela passou a ser investigada após ser acusada por um outro fiscal da agência estadual, em 2016.
“A servidora teria agredido verbalmente e afrontado um colega de trabalho, além de ter atrapalhado o trabalho de fiscalização que estava sendo realizado em um equino de propriedade da própria servidora Juliana”, informa o documento. O fato teria ocorrido em 21 de maio de 2016, na 6.ª Vaquejada do Município de Pugmil (TO). “Condutas que, em tese, infringem os princípios da conduta profissional dos servidores públicos (…), contraria os deveres preceituados (…) e viola as proibições (…).”
Na ação de improbidade contra Juliana Rocha, o promotor Gustavo Schult Júnior informa que “as declarações colhidas de servidores” confirmam que ela “não comparecia ao serviço, em cumprimento aos deveres e atribuições do seu cargo e, ainda assim, recebeu remuneração por considerável período de tempo”. “De modo que obteve vantagens de natureza pessoal, enriquecendo ilicitamente, em detrimento de princípios conducentes da administração pública”.
A Justiça do Tocantins tentou notificar a veterinária no endereço do Rio, que consta como dela. Ela não foi localizada. A veterinária, teria morado em Paraíso do Tocantins, mas também não foi encontrada. Por meio de nota, a Adapec informou que ela foi aprovada em um concurso público realizado em dezembro de 2014 e que foi contratada em 2015. Que houve apuração e que ela foi demitida.
O advogado Danilo Bezerra de Castro negou que Juliana Rocha fosse “funcionária fantasma”. Ele afirmou que ela foi contratada em concurso e que foi injustamente acusada, após se desentender com outro servidor da Adapec. O marido da veterinária, Omar Amazonas Ferreira, também era contratado na agência agropecuária.
A ex-mulher e a mãe do miliciano foram empregas de 2007 a 2016 no gabinete de Flávio Bolsonaro, por indicação de Queiroz. Desde que foi decretada a prisão de Capitão Adriano – em janeiro de 2019 – por envolvimento com a milícia no Rio e por assassinatos, elas nunca foram encontradas para prestar depoimento na apuração
Queiroz foi alvo da Operação Anjo, preso na propriedade do advogado Frederick Wassef – que representava juridicamente Flávio e conselheiro jurídico do presidente, Jair Bolsonaro, desde a facada em Minas Gerais, durante a campanha eleitoral de 2018.
Queiroz teria desviado pelo menos R$ 2 milhões, entre 2007 e 2018, no esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Alerj, segundo os promotores do Rio. Foram identificados 483 depósitos de outros assessores em sua conta. Seis núcleos são investigados, um deles, o da família do Capitão Adriano.
A ex-mulher do Capitão Adriano, Danielle Mendonça da Nóbrega, e a mãe, Raimunda Veras de Magalhães, foram empregadas “fantasmas” no gabinete. Juntas, receberam R$ 1 milhão em salários da Alerj. Os promotores rastrearam pelo menos metade do valor voltando de forma identificável para conta de Queiroz. Parte teria envolvimento direto com contas controladas pelo miliciano.
Segundo os promotores do Rio, Danielle e Raimunda eram funcionárias “fantasmas” da Alerj. A ex-mulher teria “pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta”, segundo teria demonstrado “conversa com suas amigas sobre a angústia de receber recursos de origem ilícita e sobre o risco de ser responsabilizada pela atuação criminosa”.
“Adriano Nóbrega, que mantinha contatos recentes com Fabrício Queiroz, interveio perante o operador financeiro na tentativa de manter sua ex-esposa no cargo e admitiu que também era beneficiado por parte dos recursos desviados por seus parentes na Alerj.”
Braço direito de Flávio Bolsonaro, de 2007 a 2018, Queiroz é alvo central das apurações de “rachadinha”, no Rio. Investigado desde 2018, sua prisão foi decretada por tentativa de obstrução à Justiça – a mulher, Márcia de Oliveira Aguiar, está foragida.
Os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) descobriram que em dezembro de 2019, Queiroz, sua mulher, Márcia, e o advogado Luiz Gustavo Botto Maia – também ligado ao filho mais velho do presidente – teriam orientado a mãe do miliciano a ficar “escondida”. “Foi possível verificar que Raimunda Veras Magalhães foi orientada por Fabrício José Carlos de Queiroz a permanecer escondida, temendo a retomada da investigação”, informa os autos da Operação Anjo.
“Fabrício Queiroz e Adriano Nóbrega tentaram embaraçar a presente investigação ao determinar que Danielle Mendonça faltasse ao depoimento para o qual tinha sido notificada pelo Ministério Público e ordenar que a mesma não mencionasse em conversas telefônicas os crimes praticados na Alerj”, registra o pedido de prisão de Queiroz.
“Chegando, inclusive, a enviar advogados, deixando claro que a organização criminosa, além de poder pressionar e intimidar as testemunhas dos fatos, estaria abordando as pessoas intimadas e articulando a combinação de teses defensivas fantasiosas entre os autores e partícipes dos crimes investigados, na tentativa de obstruir a instrução da presente investigação.”
Para o Ministério Público e a Polícia Civil, uma “rede de amigos” deu sustentação financeira e operacional ao Capitão Adriano e aos seus familiares, em sua fuga e na ocultação do patrimônio milionário acumulado – em especial com os crimes relacionados à milícia que comandava, em Rio das Pedras – a maior comunidade nordestina do Rio.
COM A PALAVRA, A AGÊNCIA DE DEFESA AGROPECUÁRIA DO TOCANTINS (ADAPEC)
A Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins (Adapec) esclarece que:
Juliana Magalhães da Rocha foi aprovada em concurso público estadual, conforme o ato nº 2084 de 8 de dezembro de 2014, diário oficial nº 4277 de 12 de dezembro de 2014, para o cargo de fiscal da defesa agropecuária. A servidora entrou no quadro no dia 22 de janeiro de 2015 e no dia 3 de outubro de 2016 foi desligada, pela prática da infração disciplinar de abandono de cargo de acordo com a decisão prolatada nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 2017.23000.000487. A exoneração consta na Portaria nº 1159 de 29 de outubro de 2018, publicada no Diário Oficial nº 5236 de 13 de novembro de 2018.
Omar José Amazonas Ferreira foi aprovado em concurso público para o cargo de fiscal da defesa agropecuária pelo ato nº 171 de 13 de fevereiro de 2014, Diário Oficial nº 4069 de 14 de fevereiro de 2014, com lotação para o município de Pium. O servidor foi exonerado a pedido no dia 10 de junho de 2014.
Em relação a Adriano Magalhães da Nóbrega informamos que não há registro funcional, nem mesmo de outra natureza nos arquivos.
De acordo com o levantamento no Sistema Informatizado de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins – SIDATO, executado pela Adapec, as fichas cadastrais de produtores rurais em nome de Juliana Magalhães e Omar José estão desativadas.
Lembramos que, os dados sobre registro de animais, propriedades e outras informações da ficha cadastral dos produtores rurais são sigilosos.
Ascom/Adapec