Doente, Bolsonaro cita dados falsos sobre cloroquina

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Foto: TV Brasil/AFP

Afirmações erradas, principalmente relacionadas ao uso de hidroxicloroquina contra a Covid-19, fizeram parte da entrevista na qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que tinha sido infectado pelo novo coronavírus.

Até o momento, os melhores estudos sobre a droga não apontaram quaisquer efeitos benéficos da cloroquina ou da hidroxicloroquina contra o coronavírus Sars-CoV-2.

Outros medicamentos, como a dexametasona e o remdesivir, já tiverem resultados positivos mais sólidos e animadores em estudos sérios e bem desenhados.

Ainda assim, não há até o momento um tratamento que cure ou previna a Covid-19. As entidades de saúde afirmam que o distanciamento social, os cuidados de higiene e os uso de máscara são as principais armas no combate à doença.

Veja abaixo a checagem das falas de Bolsonaro.​

“Se não tivesse feito o exame e tivesse tomado a hidroxicloroquina como preventivo, como muita gente faz, eu estaria trabalhando até…obviamente poderia estar contaminando gente, essa foi a minha preocupação de buscar fazer o exame na própria segunda feira para evitar o contágio de terceiros.”

De acordo com um dos maiores estudos sobre a eficácia do uso de hidroxicloroquina, não é possível afirmar que o fármaco impede o agravamento do quadro clínico de qualquer pessoa infectada pelo novo coronavírus. Também não há indícios até o momento que indiquem que a cloroquina possa impedir a transmissão do vírus entre pessoas.

“Dados os sintomas, a equipe médica resolveu aplicar hidroxicloroquina. Tomei ontem, por volta das 17h o primeiro comprimido e também azitromicina. Confesso que, como acordo muito durante a noite, depois da meia-noite consegui sentir alguma melhor. Às 5h da manhã tomei a segunda dose da cloroquina e confesso que estou perfeitamente bem.”

A combinação de hidroxicloroquina e azitromicina é contraindicada por autoridades de saúde americanas por causa de sua potencial toxicidade. A recomendação foi elaborada por um painel de especialistas com representantes de pelos menos 13 entidades, como agências governamentais (entre elas a agência que regula remédios, a FDA ,e o Centro de Controle de Doenças, o CDC) e associações médicas americanas.

Segundo as diretrizes dos EUA, a combinação só deve ser usada em pesquisas médicas com acompanhamento constante do paciente.

“Reação foi quase de imediato [quanto ao uso de hidroxicloroquina]. poucas horas depois já estava me sentindo bem. Reforço aqui o que médicos tem dito pelo Brasil todo, eu não sou médico, eu sou capitão do exército, a hidroxicloroquina, na fases inicial, a chance de sucesso chega a 100%.”

Desde o início da crise do espalhamento da Covid-19 pelo mundo, entre fevereiro e março, nenhum estudo sério, revisado por outros pesquisadores e publicado em revistas científicas confiáveis, até o momento apontou isso. Os melhores dados disponíveis até o momento sobre hidroxicloroquina mostram que a droga não tem efeito contra a Covid-19.

Uma das pesquisas, por exemplo, analisou potenciais efeitos de profilaxia pós-exposição (ou seja, após ser exposto ao vírus, tomar uma droga que poderia impedir o adoecimento). O estudo, o primeiro com padrão-ouro (com pacientes escolhidos aleatoriamente em diferentes grupos e que não sabiam se tomavam o remédio ou placebo), feito com 821 pessoas, não encontrou quaisquer efeitos benéficos da droga na prevenção da Covid-19.

Pesquisas também já analisaram pacientes com doenças crônicas que são tratadas com a hidroxicloroquina (como artrite) para ver se a droga poderia, de alguma forma, impedir a contaminação pelo vírus. Esses estudos também não encontraram evidências de que a droga tenha efeito profilático contra o Sars-CoV-2.

[Em vídeo, divulgado em suas redes sociais, após repetir afirmações sobre a suposta eficácia da hidroxicloroquina] “Sabemos que hoje em dia existem outros remédios que podem ajudar a combater o coronavírus, sabemos que nenhum tem a sua eficácia cientificamente comprovada, mas mais uma pessoa em que está dando certo. Eu confio na hidroxicloroquina. E você?”

Novamente, não há como afirmar sobre o efeito da droga sobre a doença em curso no presidente e as pesquisas apontam que a hidroxicloroquina não tem efeito sobre o vírus. Além disso, segundo estudos, a maior parte das pessoas contaminadas com a Covid-19 se recupera por conta própria, sem necessidade de nenhum tipo de medicação.

O presidente também erra ao afirmar que não há medicamentos com eficácia comprovada contra a doença. Pesquisas recentes já apontaram redução da mortalidade em pacientes medicados com dexametasona e remdesivir.

“Brasil é um país continental. Você tem diferenças de clima entre Norte e Nordeste e o Sul do país. O vírus se dá melhor em climas mais frios.”

Não há dados que sustentem a afirmação do presidente. Modelagens sobre a propagação do vírus em seu estágio pandêmico (ou seja, o atual cenário visto no mundo) não encontrou influência climática significativa no espalhamento do Sars-CoV-2.

Por ser um vírus novo e, dessa forma, desconhecido pelos sistemas imunes das pessoas, o fator que tem maior impacto na sua disseminação é a susceptibilidade da população. A pesquisa publicada na prestigiosa revista Science apontou que surtos severos da Covid-19 podem ocorrer mesmo em climas úmidos e que mesmo o verão não deve influenciar o comportamento de disseminação do vírus.

Um exemplo prático disso pode ser visto em estados do Norte e Nordeste, que, proporcionalmente, estão entre os mais afetados e com maior número de mortes no Brasil.

“Quando se fala em aumento no número de suicídios do Brasil com toda a certeza uma das causas é esse elemento: perde o emprego, perde a família, tem responsabilidades.”

Não há dados disponíveis publicamente que corroborem a afirmação. O que se sabe, segundo levantamento realizado pela ComunicaQueMuda (CQM), plataforma digital da agência nova/sb, é que a quantidade de postagens sobre suicídio na internet aumentou por causa durante a pandemia.

Em maio, durante 29 dias, foram publicadas 103.923 menções ao suicídio. Em 2017, 6,3% das publicações traziam depoimentos e relatos. Em 2020, os relatos chegaram a 23,5%.

“Alguns poucos, dado à idade e comorbidades, sentem bastante e pode inclusive levar a óbito.”
“As pessoas abaixo dos 40 anos de idade, a não ser que tenha algum problema de saúde sério, a chance é próxima a zero a sofrer, a ter consequências maiores da contaminação.”

A afirmação de Bolsonaro, mais uma vez, não encontra respaldo na realidade pandêmica do país. Ao mesmo tempo em que, de fato, a maior parte das mortes pela Covid-19 ocorrem em pessoas com comorbidades e em idosos, não necessariamente pessoas mais jovens não possam ter quadros graves, com necessidade de internação.

Mas, realmente, doenças prévias e idade são fatores de riscos relacionadas à Covid-19, o que, inclusive, coloca o presidente no grupo de risco, por sua idade e por estresse. ​

Folha De S. Paulo