Especialistas acham que governo está se afastando da extrema-direita
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Ao se associar ao Centrão, o governo Jair Bolsonaro tende a caminhar para a centro-direita, mas o ambiente político brasileiro ainda é desfavorável à agenda de reformas, na avaliação de cientistas políticos da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (Ebap/FGV).
O professor Carlos Pereira destaca que, diante das animosidades com os demais Poderes, o presidente da República se aproximou de uma “coalizão mínima” no Congresso, mas que a reorganização do governo ocorreu de forma tardia e que há, hoje, diversas frentes de investigação contra o núcleo bolsonarista que trazem vulnerabilidades ao mandato. Segundo Pereira, portanto, o governo Bolsonaro deve entrar num “modo de sobrevivência sem grandes voos”.
“Estou pessimista quanto à possibilidade de que uma agenda de reformas se desdobre com o presidente tão fragilizado e uma coalizão mínima do Congresso e investigações em todos os lados”, afirmou Pereira, durante evento online.
Para o cientista político Octavio Amorim, a expectativa é que, após ser derrotado politicamente durante a pandemia de covid-19, o governo Bolsonaro caminhe para se tornar um governo de centro-direita, com a “domesticação” do presidente e redução da possibilidade de uma ruptura constitucional. Ele discorda, porém, de que Bolsonaro esteja praticando um presidencialismo de coalizão.
“É algo muito mais próximo de uma cooptação. Coalizão significa concessões programáticas e mudanças na orientação das políticas de cada ministério. Ainda não estamos vendo isso claramente”, disse.
Amorim, porém, afirma que ainda é cedo para se ter clareza se a mudança no tom do governo Bolsonaro é uma pausa tática ou estratégica. Segundo ele, a forma como o presidente e as demais instituições se comportarão nas escolhas do futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Ministério da Saúde darão mais clareza se Bolsonaro marchará, de fato, em direção à centro-direita.
O cientista político acredita que as eleições municipais deste ano poderão servir de teste à popularidade de Bolsonaro. “As eleições municipais em geral não são [nacionalizadas], mas minha sensação é que nas grandes cidades poderá haver a nacionalização. Um dos pilares da política de Bolsonaro [transferir os custos das grandes decisões para outros Poderes] será posto à prova”, comentou.
Já na avaliação do economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), Samuel Pessôa, o tema mais importante do semestre, para o futuro da governabilidade de Bolsonaro, será a discussão, no Congresso, sobre o projeto de lei orçamentário anual de 2021. Segundo o economista, a votação do Ploa vai determinar a estabilidade fiscal do país.
“Haverá uma pressão imensa para haver alguma flexibilização do teto de gastos. Minha percepção é que o Congresso tem uma preocupação de haver uma desancoragem fiscal, que foi rigorosamente o que aconteceu no segundo semestre de 2015 quando ficou claro que a então presidente Dilma [Rousseff] não tinha condições de aprovar medidas estruturantes. Tenho um certo otimismo de que o Congresso vai estar recolocando o orçamento no teto de gastos garantindo a governabilidade e estabilidade econômica”, afirmou.
Pessôa destacou que, mesmo com a tendência de juros baixos no mundo, não há espaço fiscal para que o Brasil mantenha a estratégia de aumento de gastos públicos por meio de mais dívida.