Maia vê “janela” para discutir temas importantes antes de 2022
Foto: Anderson Lira / FramePhoto / Agência O Globo
A seis meses de encerrar seu terceiro mandato na presidência da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) vê uma janela de apenas 12 meses para aprovar as reformas mais importantes no Congresso, antes que a eleição geral de 2022 contamine de vez os debates. Maia, no entanto, aponta a ausência de um agenda para tirar o país da crise após a pandemia de covid-19 matar milhares de brasileiros, aumentar o desemprego e derrubar a economia.
“Está faltando a construção de uma agenda que olhe o futuro, um olhar macro sobre como é que o Brasil sai da crise. Isso tem me preocupado. Outros países já estão pensando nisso”, afirma Maia, citando um documento português sobre investimentos em infraestrutura e na gestão ambiental. “Está faltando organizar essas ideias e ter um norte, um caminho dentro da nossa realidade.”
Maia afirma que o governo só mandará a reforma tributária amanhã por pressão da Câmara e que o projeto é um “subproduto” das propostas de emenda constitucional (PEC) 45 e 110, já em debate no Congresso, mas que será analisado e decidido qual tem maior chance de aprovação. O deputado diz ter “expectativa” de que o presidente Jair Bolsonaro desista de enviar somente em 2021 a PEC de modernização do serviço público. “Se deixar para começar o debate no ano que vem, não aprova”, garante.
O presidente da Câmara recebeu o Valor ontem, um dia depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, divulgar contraproposta à PEC do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) que a Câmara votaria hoje. Guedes é contra aumentar o fundo e sugeriu que metade do dinheiro custeie a reformulação do Bolsa Família.
Para Maia, a proposta é ruim porque o governo não dá prioridade para a educação e ainda tenta burlar o Teto de Gastos (que desde 2016 impede o crescimento dos gastos acima da inflação, mas o Fundeb está fora desse controle). Se quer mudar essa regra, afirma, a discussão precisa ser transparente. “Eu achava, no passado, que o governo estava na linha de cortar gastos para financiar programas, mas agora vem querer criar imposto [CPMF] para isso. Essa foi a mesma política de anos anteriores e que não deu certo”, diz. A seguir, a entrevista:
Valor: O governo propôs que parte dos recursos que iriam para a Educação na PEC do Fundeb seja usada para custear a reformulação do Bolsa Família. O sr. concorda?
Rodrigo Maia: O dinheiro da renda mínima tem que vir em outra PEC. É um outro debate, não dá para misturar. Estão querendo aproveitar o Fundeb, por estar excluído do Teto de Gastos, mas isso não significa que vamos utilizar essa excepcionalidade no Teto como “ônibus” de outros interesses – que são legítimos e urgentes, mas precisam ser debatidos de forma clara. Se o governo quer modernizar o Bolsa Família e está com problema no Teto, ele tem que ser transparente.
Valor: Estão tentando esconder a falta de dinheiro do Renda Brasil?
Maia: O governo tem defendido, tanto quanto eu e alguns deputados, o Teto de Gastos de forma muito firme. Se quer debater [uma mudança], tem que fazer a proposta para o Congresso discutir. Não dá para fazer dentro do Fundeb, que foi muito importante para melhoria da qualidade da educação e, com o aumento dos aportes, será ainda mais. A gente está olhando os vulneráveis, muitos que também estudam em escola pública. Não é só transferência de renda que vai resolver a pobreza, é algo multidimensional, e a melhor política social sempre foi a educação. Claro, se quiser reduzir o crescimento do Fundeb no primeiro ano por causa da pandemia, podemos discutir, mas sem misturar as coisas.
Valor: O auxílio emergencial só durará mais dois meses e há pressão para prorrogá-lo até o fim do ano. Esse debate não é urgente?
Maia: É urgente e, quando falei com o presidente, sugeri que prorrogasse por dois meses e já apresentasse uma proposta de renda mínima para debatermos. Mas também temos várias urgências na educação. As crianças da rede pública, as mais vulneráveis, vão perder o ano letivo. Só quem estudou minimamente foram os alunos de escolas privadas de boa qualidade, com estrutura em casa, internet e bom computador. Não é a maior parte dos brasileiros. O governo quer deixar o aumento do Fundeb para 2022. Acho que está errado. Por quê adiar, se o drama dessas crianças está bem na nossa frente? A minha posição em relação à CPMF é clara: é um imposto injusto, que penaliza os mais pobres. Não vou mudar”
Valor: O governo alega que não tem dinheiro para as duas coisas.
Maia: Não acho que seja o problema. Temos feito as reformas, como a da Previdência, e quando o Parlamento toma a decisão [de gastar], é responsável pela solução no Orçamento, agora que é impositivo. É como a desoneração da folha de salários. Se o Congresso derrubar o veto do presidente, terá que encaixar o dinheiro no Orçamento. Foi o que ocorreu com a MP 905 [do emprego verde e amarelo]. O governo sugeriu tributar o seguro-desemprego, que sabia que não tinha viabilidade, e depois soltou uma nota técnica dizendo onde estavam os R$ 4 bilhões. No Fundeb, são R$ 3 bilhões em 2021.
Valor: Mas o senhor já defendeu a revisão do Teto de Gastos…
Maia: Só depois de reorganizar as despesas. Tenho muita expectativa de que o presidente recue na decisão de não tratar da modernização da administração pública. Se o governo não quer mandar emenda constitucional porque acha mais difícil aprovar, podia olhar o projeto da Ana Carla [Abrão], que é lei complementar e pode ser o caminho. Não podemos repetir o erro dos governos do PT, de aumentar a carga tributária para poder gastar mais – e de forma meritória, porque os erros são sempre cometidos em temas meritórios, como pagar a renda mínima ou investir em infraestrutura. Mas a sociedade pagar mais impostos e reduzir ainda mais a competitividade das empresas não é meritório.
Valor: Mas como seria essa revisão no Teto de Gastos então?
Maia: O governo precisa reduzir os quase R$ 400 bilhões em incentivos tributários, rever o lucro presumido, as deduções do Imposto de Renda, fazer a reforma administrativa. Abriu esse espaço fiscal, não estou defendendo que use para pagar dívida, não é hora disso. Usa para fazer política pública na área social, na educação, na infraestrutura e, com o crescimento da economia, vai aumentar a arrecadação. Eu achava, no passado, que o governo estava nessa linha, mas agora vem querer criar imposto para financiar programas. Essa foi a mesma política de anos anteriores e que não deu certo.
Valor: Vincular a nova CPMF ao Renda Brasil não seria uma estratégia eficaz para aprová-la? Guedes diz que o sr “interdita” o debate sobre a CPMF na reforma tributária.
Maia: Fico muito feliz que o governo está finalmente encaminhando uma proposta, quase um ano depois de anunciar que mandaria. A minha posição em relação à CPMF é clara: é um imposto injusto, que penaliza os mais pobres. Não vou mudar. Agora, o debate sobre a reforma só voltou por causa da Câmara. Se não tivéssemos convocado a reunião, o governo continuaria parado. Estou cada vez mais convencido de que essa reforma é a única capaz de aumentar a arrecadação pelo lado saudável, do crescimento, e não pela criação de tributos, como o governo quer. Governos anteriores aumentaram a carga tributária em 9% do PIB sem nenhum grande resultado para a sociedade. Tirou 10% da renda dos brasileiros e para quê?
Valor: E como fica o debate sobre essa proposta do governo?
Maia: O projeto é um subproduto das PECs 45 e da 110. Vamos debater junto e avaliar ao longo das próximas semanas qual texto que tem voto para ser aprovado. Se as PECs, por exigirem quórum mais qualificado, tiverem dificuldade e a proposta do governo [que é projeto de lei] tiver os votos para ser aprovada sozinha, vamos na do governo. Não temos problema com isso. Mas, na minha opinião, pela experiência dos governos Dilma e Temer, a PEC tem mais chances por ser mais ampla, mais equilibrada, com menor resistência nos serviços porque inclui também o ISS. Na PEC alguns setores, como bebidas e cosméticos, tem aumento de carga de um lado e redução de outro, distribui melhor.
Valor: O senhor almoçou com Guedes por três horas. O que combinaram?
Maia: Foi conversa sobre tudo, sobre os projetos que existem, como cada um está vendo o cenário. Uma conversa normal.
Valor: Mas acertaram a agenda?
Maia: Tem uma pauta aí, vamos andar com ela. Não vejo problema em votar a lei do gás, foi aprovada com certa unanimidade na comissão, tem algumas críticas, mas vamos ver como é que avança. A autonomia do Banco Central o Senado está pedindo para votar antes. O [senador] Plínio [Valério] reclamou e eu disse que não tinha problema. Quer votar antes, vota. Na Câmara, tem a questão da recuperação judicial que precisa votar mais rápido – aprovamos uma versão emergencial, mas teve muito ruído e o Senado acertadamente segurou, vamos votar o texto completo.
Valor: Não tem previsão de novos projetos para retomada da economia após a covid-19?
Maia: Está faltando a construção de uma agenda que olhe o futuro, um olhar macro sobre como é que o Brasil sai da crise. Isso tem me preocupado. Outros países já estão pensando nisso. Portugal está pensando isso, do ponto de vista da infraestrutura, integração ferroviária à Europa, meio ambiente. No Brasil, está faltando organizar essas ideias e ter um norte, um caminho dentro da nossa realidade. Elencar o que é mais importante: reforma administrativa, PEC emergencial e reforma tributária. Embaixo: mudar os marcos regulatórios. Discutir a fundo a renda mínima.
Valor: Com a pressão do exterior, melhorou o cenário para votar projetos ligados ao meio ambiente, como o licenciamento ambiental?
Maia: É preciso debater uma ampla agenda vinculada ao meio ambiente. Claro que o licenciamento é importante, mas a gente não pode cometer erros. Todos vão entender a importância desse projeto, desde que tenha os limites necessários. O importante na lei não é flexibilizar nada, é dar clareza ao que pode e o que não pode para que o burocrata na ponta não segure os processos. Mas essa agenda é maior do que discutir só isso – temos a retomada do mercado de crédito de carbono, uma reforma tributária que olhe as questões ambientais e também cobrar que as agências de controle do Executivo voltem a funcionar.
Valor: A reforma administrativa ficar para 2021 é prejudicial?
Maia: Nada vai acontecer se o debate começar no próximo ano. Sabe o motivo? Se já estamos vendo algum ambiente eleitoral nascendo no debate político de agora, no segundo semestre do ano que vem isso vai estar muito mais forte. Então ou as coisas começam a andar agora e terminam até junho ou não vai se aprovar mais nada relevante. Se deixar o início do debate da reforma tributária para fevereiro, não será aprovada. Se começar a tratar da administrativa em março, ela não será aprovada. O governo ainda tem os próximos 12 meses para aprovar questões relevantes. Mesmo que não termine de votar tudo neste ano, se os textos estão prontos, se uma das Casas votar, já há debate bem avançado na sociedade.
Valor: É possível aprovar a reforma tributária ainda em 2020?
Maia: Pelo menos na Câmara, acredito que vote. O ideal é que vote nas duas Casas, mas, se pelo menos votar na Câmara, já será um grande passo.
Valor: O senhor defende derrubar os vetos ao marco do saneamento?
Maia: Temos que trabalhar para derrubar. Defendo o veto do ponto de visto do mérito, mas, no Parlamento, o que vale é o acordo. Se os deputados e senadores deram a palavra ao conjunto de parlamentares de que o artigo não seria vetado, tem que derrubar.