Ministério da Saúde virou distração para militares
Foto: Agência Brasil
Há 76 dias sem um titular, o Ministério da Saúde transformou-se em uma “ocupação militar” comandado por quem busca uma promoção na carreira. A crítica foi feita ontem pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta durante um seminário virtual sobre a pandemia organizado por uma coalizão de partidos de esquerda. Mandetta negou que o ministro interino, general Eduardo Pazuello, seja um especialista em logística, habilidade que o teria qualificado para o cargo. “Ele é o homem da balística, só vejo cadáver sair de lá”, disse Mandetta. O ex-ministro também se declarou inconformado com a aparente falta de interesse da sociedade pelo que está acontecendo com o ministério. “Nós vimos uma reação tão grande porque havia interferência na Polícia Federal, e isso seria inadmissível. Mas e o desmanche do Ministério da Saúde em plena pandemia, é admissível?”, questionou.
Ele lembrou que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes proibiu a troca do diretor-geral da Polícia Federal, quando suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo, “porque com o chefe da Polícia não pode mexer, mas o Ministério da Saúde você pode calar”.
O ex-ministro foi o convidado do evento virtual “Janelas temáticas”, organizado pela coalizão PDT, PSB, PV, Rede e Cidadania. Ele lembrou que é filiado ao DEM, que não integra a esquerda, mas disse que a gravidade da pandemia deve reunir todos os partidos democratas para buscar soluções para a crise.
O ex-ministro ganhou projeção nacional na condução do ministério e já desponta como um dos possíveis presidenciáveis para 2022. No evento de ontem, mostrou que está aberto ao diálogo com a esquerda. Ele agradeceu o convite do presidente do PV, José Luiz Penna, para participar do debate, e comentou: “Não sei se o Brasil está pior internacionalmente na saúde ou no meio ambiente: as pautas se equivalem, inauguramos um período de negação das politicas que são importantes para toda a humanidade”.
O ex-ministro criticou o que considera um desmonte da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) e da interface entre governo federal, Estados e municípios. Quando ele comandava a pasta, disse que promovia reuniões de manhã e à noite com secretários estaduais e municipais de Saúde para um balanço sobre o enfrentamento da pandemia. “O SUS foi silenciado por uma ocupação militar: deixamos de ter uma gestão em saúde e passamos a ter um ministério ocupado militarmente por aqueles que querem uma promoção de carreira e não têm nenhum compromisso com o sistema de saúde”.
Mandetta lembrou que os militares foram nomeados para o ministério porque teriam conhecimento de logística. No entanto, disse que esse suposto conhecimento não se revelou na prática porque os hospitais estão sem medicamentos para as unidades de terapia intensiva (UTIs).
“O ministério está deixando prefeitos em situação limítrofe, hospitais com estoques para dois, três dias, no Rio de Janeiro, perdemos pessoas na UTI por falta de relaxante muscular”.
Mandetta também acusou o presidente Jair Bolsonaro de construir uma narrativa para se eximir da responsabilidade pelo controle da pandemia e jogar a culpa sobre governadores e prefeitos. “O presidente entendeu que o ministério de uma hora pra outra seria sua oposição e criou um enredo político”, afirmou. “Não há nada de inconsequência, de loucura, de nada, mas, sim, uma narrativa política pra retirar a voz do governo federal e deixar os prefeitos, principalmente, e os governadores na linha de tiro com as pessoas e fazer uma manobra de Pilatos”.