Mulher de Queiroz andava com contatos dos filhos de Bolsonaro
Foto: EFE/Sebastião Moreira
Ao pedir a prisão preventiva de Fabrício Queiroz, o Ministério Público do Rio citou três contatos que, anotados à mão numa caderneta, poderiam ajudar a família quando o ex-assessor de Flávio Bolsonaro fosse detido. No entanto, o material apreendido com a mulher dele em dezembro do ano passado não se limita a isso. Segundo imagens às quais o Estadão teve acesso, Márcia Oliveira de Aguiar tinha nessa espécie de agenda-guia números de celulares atribuídos ao presidente Jair Bolsonaro, ao próprio Flávio, à primeira-dama Michelle e a diversas pessoas ligadas à família.
Em outras páginas, há ainda contatos e anotações sobre policiais, pessoas envolvidas com a milícia e políticos do Rio. Um desses contatos estaria guardando uma pistola Glock para Queiroz enquanto o ex-assessor se escondia em São Paulo, segundo a anotação de Márcia.
Queiroz foi preso no dia 18 de junho em Atibaia, interior de São Paulo, na casa de Frederick Wassef, então advogado de Flávio no caso das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio. Márcia é considerada foragida desde então. O nome do ex-assessor parlamentar veio à tona em dezembro de 2018, quando o Estadão revelou movimentações financeiras atípicas no gabinete de Flávio na Alerj.
No pedido de prisão preventiva no mês passado, a Promotoria mencionou apenas três nomes que poderiam favorecer Queiroz caso ele fosse levado para o Batalhão Especial Prisional (BEP), vinculado à Polícia Militar. Mas, no material bruto, outros contatos figuram com comentários que também indicam orientações do marido enquanto estava escondido. Outros – como os telefones atribuídos a Bolsonaro, Flávio e Michelle – não vêm acompanhados de anotações específicas e aparecem apenas com nome e número.
A família presidencial compõe parte significativa dos papéis. Numa mesma folha, dois números de Jair e um de Michelle aparecem juntos; noutra, um celular de Flávio e um de sua mulher, Fernanda. Há ainda o contato de Max Guilherme Machado de Moura, ex-segurança e hoje assessor especial do presidente, além do sócio de Flávio na loja de chocolate investigada por suposta lavagem de dinheiro, Alexandre Santini.
Bolsonaro não é – e nem poderia ser, por causa do foro especial – investigado pelo Ministério Público do Rio. Também não há indícios, nas conversas mantidas por Márcia no período em que ela a família passaram a ser investigados, de que tenha havido alguma troca de mensagem entre a mulher de Queiroz e o presidente e seus parentes.
Não é possível saber a data exata das anotações, já que eram feitas à mão. Algumas indicações de Márcia, contudo, deixam claro que foram escritas depois da eleição de 2018. Políticos que estão em primeiro mandato na atual legislatura já apareciam ali identificados pelos seus respectivos cargos. É o caso dos deputados estaduais Rodrigo Amorim (PSL) e Marcelo do Seu Dino (PSL), o federal Lourival Gomes (PSL-RJ) e o segundo suplente de Flávio no Senado, Léo Rodrigues, que atualmente é secretário de Ciência e Tecnologia do governo de Wilson Witzel (PSC).
As páginas do bloquinho têm no rodapé a mensagem “Jesus, eu confio em Vós” e, no canto superior direito, a imagem divina. Foram apreendidas em dezembro de 2019, quando o Ministério Público cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Queiroz. Segundo a investigação, o caderno era uma espécie de guia para Márcia caso o marido fosse preso e ela não estivesse entre os alvos.
Entre os contatos, há um coronel identificado como amigo de Queiroz e “braço direito do Bração (sic)”, uma possível referência a Domingos Brazão, ex-deputado e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado por suspeitas de corrupção, ou um de seus irmãos, os deputados Pedro e Chiquinho Brazão. Isso porque Márcia já demonstrara, em outros momentos, uma tendência a trocar o “s” ou o “z” pelo “ç”, como quando escreveu “preço” em vez de “preso”.
Domingos Brazão também tem longo histórico de acusações por envolvimento com milícias. Chegou a ser apontado como um possível mandante da morte de Marielle Franco, apesar da tese ter sido descartada pelos investigadores fluminenses. O coronel, que seria seu “braço direito”, é registrado no caderno de Márcia como alguém que pode ajudar “em alguma coisa”.
Ainda no campo da milícia, o caderno tem o contato de pessoas ligadas a Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano – que, segundo o MP, se beneficiava da rachadinha no gabinete de Flávio. Essa relação com a família do miliciano morto em fevereiro já foi exposta em mais de um documento da Promotoria ao longo da investigação.
Raimunda, a mãe de Adriano que teve cargo no gabinete de Flávio e também é investigada no esquema das rachadinhas, mantinha conversas com Márcia, de quem é amiga. Alguns trechos destacados no pedido de prisão apresentado pelo MP indicam que havia uma coordenação entre interlocutores de Adriano, então foragido da Justiça desde janeiro de 2019, e de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz.
Outra pessoa ligada a Adriano é uma mulher identificada como Andreia, que seria amiga de Raimunda e tem, sob seu nome, a seguinte anotação: “fazer deposto (sic) na conta do Queiroz”. Segundo as investigações, “deposto” seria “depósito”.
Além da caderneta, foi encontrado no apartamento de Márcia e Queiroz um diploma de “Amigo da Polícia Civil” concedido a Flávio em junho de 2018. Trata-se de uma homenagem feita a ele por um sindicato e uma associação de funcionários da corporação.
Outro pequeno caderno apreendido traz as já reveladas anotações sobre o dinheiro em espécie que foi usado para pagar o tratamento de Queiroz no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Márcia teria recebido R$ 174 mil para arcar com as despesas.
Esse mesmo caderno também tem registros de explicações que poderiam ser dadas para justificar o fato de ex-assessores de Flávio não comparecem à Alerj enquanto estavam empregados, como o argumento de que o trabalho da família era dar capilaridade ao mandato do então deputado estadual – ou, nas palavras anotadas por Márcia, “fazer a ponte entre a população e o político” e “representar o político em eventos”.
O deputado Rodrigo Amorim, mais votado do Rio em 2018 e conhecido na eleição por quebrar a placa de Marielle Franco, contou que conheceu Queiroz em 2016, quando o hoje parlamentar foi candidato a vice-prefeito na chapa de Flávio Bolsonaro. “Sempre o vi como um militante aguerrido, um cara que gostava de trabalhar na rua, de abordar o eleitor. Agora, se ele cometeu erros, que responda, dentro da Lei e com a ampla defesa a que tem direito.”
Disse ainda que espera que Queiroz seja julgado como “pessoa física”, não como “instrumento de alguns partidos políticos de esquerda interessados na destruição da reputação do senador e do presidente”. Questionado pelo Estadão, Amorim, no entanto, não se manifestou sobre a existência de um número atribuído a ele no caderno.
O secretário e suplente de senador Léo Rodrigues afirmou que conhece Queiroz porque fizeram campanha juntos, mas que desconhece a existência da agenda de Márcia. “Até o momento ninguém fez contato comigo, mas não me oporia em ajudá-lo caso precisasse, sempre de forma lícita e republicana. Sobre essa suposta agenda mantida pela Márcia, mulher do Queiroz, com contatos que poderiam ajudar em algum momento durante o sumiço dele, eu desconheço.”
O senador Flávio Bolsonaro, o presidente e a primeira-dama foram procurados, mas até a publicação desta reportagem não deram resposta.
O Estadão não conseguiu contato com os deputados Marcelo do Seu Dino e Lourival Gomes; a família Brazão não respondeu até a conclusão desta reportagem.