Mulher pisoteada por PM teme por sua vida
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A mulher de 51 anos que foi pisoteada no pescoço, arrastada e teve uma das pernas quebradas por um policial em abordagem em São Paulo, divulgada pelo “Fantástico” no último domingo, convive agora com as marcas da agressão e o medo de se tornar alvo de retaliação.
“Não me sinto segura. Eu tenho filhos e netos, como vai ser minha vida daqui pra frente? Será que esse policial não vai aparecer no meu bairro um dia? Mas, ao mesmo tempo, eu me julgo corajosa. Alguém tinha que fazer alguma coisa”, questionou a comerciante em entrevista a ÉPOCA.
“Tenho 51 anos, trabalho na noite e nunca tinha sido abordada por uma viatura. Por isso tudo o que aconteceu me atingiu muito”
Dona de um bar em Parelheiros, zona sul de São Paulo, ela foi agredida por um oficial da Polícia Militar na tarde do dia 30 de maio, um sábado. As imagens da agressão foram divulgadas pelo “Fantástico” da TV Globo no último domingo (12) e mostram o PM pisando sobre o pescoço da mulher.
Em uma das cenas, ele é flagrado tirando um dos pés do chão e colocando todo o peso do corpo sob a vítima, que estava imobilizada e rendida no asfalto.
O episódio remete também ao de George Floyd, americano negro morto em Minneapolis, nos EUA, em 25 de maio, cinco dias antes do episódio em Parelheiros. Floyd foi assassinado por um policial que ajoelhou-se em seu pescoço durante uma abordagem. Antes de morrer, afirmou pelo menos 20 vezes que não conseguia respirar.
No caso da brasileira, a agressão ocorreu após ela questionar os policiais pela abordagem agressiva a outras pessoas que estavam na rua, diante de seu bar.
“Se tivesse que voltar atrás, acho que ainda assim teria pedido para ele (o policial responsável pela abordagem) parar porque não gosto de ver ninguém sendo judiado ou maltratado. Mas isso mudou minha vida. Agora respondo a quatro inquéritos. E como vai ser minha vida depois deles?”
Apesar do temor de uma retaliação, ela não se arrepende do depoimento que, somado aos vídeos divulgados, expôs ao país a brutalidade da abordagem. “Alguém tem que tomar uma providência para que isso não aconteça com outras famílias. Eu sei que é arriscado o que eu fiz. Algumas pessoas até me criticaram porque eu dei depoimento. Mas eu precisava colocar isso adiante para minha cabeça poder ficar melhor”, desabafou.
O relato também soma-se às crescentes acusações de brutalidade policial contra a corporação militar paulista. Em junho, o assassinato de Guilherme Silva Guedes, adolescente morto por um policial de folga na periferia de São Paulo, causou diversos protestos na região de Americanópolis. Um vídeo também foi divulgado mostrando um rapaz negro sendo estrangulado por PM e desmaiando durante abordagem em Carapicuíba, em 21 de junho.
“O que eu espero é que tomem todas as providências cabíveis para que isso não venha a acontecer com outras famílias, porque eu sofro e minha família também sofre”, diz a vítima de 51 anos do caso de Parelheiros.
A polícia foi chamada ao bar em Parelheiros em 30 de maio para atender uma ocorrência de perturbação da vizinhança por causa de um carro com som alto parado em frente ao estabelecimento, que estaria funcionando, apesar da proibição de abertura de comércio que vigorava em maio na cidade, devido ao isolamento social.
A proprietária alega que apenas recebia fornecedores e que o local funcionava com meia porta aberta, de acordo com a lei.
Segundo a versão dos policiais, eles foram recebidos no local com hostilidade e a mulher teria ameaçado os agentes com uma barra de ferro arrancada da estrutura do bar. Mas as imagens mostram uma versão diferente: um dos PMs é visto apontando uma arma para um dos homens presentes, enquanto outro é rendido no asfalto.
Ao tentar interceder, ela se tornou alvo de agressões. As imagens mostram o policial arrastando a mulher e, na sequência, pisando em seu pescoço. A força imposta pelo policial nesta ação teria provocado quatro desmaios seguidos da vítima, de acordo com seu relato.
Ela foi transferida para um hospital, onde foram confirmadas uma fratura na perna, além de lesões no rosto e no corpo.
O governador de São Paulo, João Doria, reagiu imediatamente nas redes, afirmando que as cenas causavam ‘repulsa’ e a conduta dos oficiais envolvidos fora ‘inaceitável’. No dia seguinte à divulgação, disse em entrevista coletiva que “assistiu estupefato às cenas” e tem mobilizado a Secretaria de Segurança Pública para que os agentes respondam criminalmente pelo ato.
Além do inquérito policial militar instituído dentro da corporação, eles são investigados em inquérito criminal na 25º Delegacia de Polícia de São Paulo.
Segundo a Secretaria, os policiais foram afastados das ruas e demais atividades operacionais no dia do ocorrido, mas seguem realizando atividades administrativas sem prejuízo de salários. O inquérito militar corre em sigilo desde então.
Os oficiais registraram boletim de ocorrência por desacato, desobediência, resistência e lesão corporal contra a mulher e os dois homens no dia do acontecido. Se condenada, ela poderia passar de 6 meses a 4 anos na prisão.
A comerciante passou por cirurgia na perna fraturada. Segundo seu advogado, o criminalista Felipe Pires Morandini, que atua no caso em solidariedade à vítima de violência policial, a maior preocupação agora é garantir que ela seja inocentada das acusações “absurdas” feitas pelos policiais.
“Os fatos foram totalmente invertidos pelos dois policiais na delegacia. Como advogado vamos buscar defendê-la primeiro, mas é claro que ela vai querer a responsabilização desses policiais pelo absurdo da situação e os prejuízos imensuráveis que ela sofreu em diversos âmbitos”, diz Morandini.
Os advogados pretendem processar o policial que pisou no pescoço da mulher por tentativa de homicídio.