Mundo perdeu a paciência com Bolsonaro
Foto: Leo Pinheiro/Valor
A repercussão negativa das posturas do governo brasileiro em relação à agenda ambiental e ao desmatamento da Amazônia impacta fortemente os negócios das empresas no exterior, alertou ontem o empresário Horacio Lafer Piva, acionista da Klabin, durante Live do Valor. Segundo ele, em função disso, o país corre sérios riscos de perder investimentos estrangeiros e prejudicar suas exportações. “O mundo perdeu a paciência com o Brasil”, disse Piva, sobre o distanciamento da causa ambiental abraçada por outros países.
A Klabin está entre as empresas nacionais e estrangeiras que, em carta, solicitaram ao vice-presidente Hamilton Mourão providências para o fim da devastação na Amazônia. No documento, 38 CEOs se mostram preocupados com as repercussões negativas das políticas ambientais do governo de Jair Bolsonaro.
“[Essa política ambiental] afeta não só o dia a dia, como inclusive o rating dessas empresas que, de alguma forma, contam com investimentos ou financiamentos de agentes internacionais, hoje muito mais ativos na questão do meio ambiente e da sustentabilidade”, observou Piva, ao citar manifestações recentes de fundos internacionais a respeito do tema.
Fundos de investimento que gerenciam ativos perto de US$ 4 trilhões (mais de R$ 20 trilhões) também pediram ao Brasil que suspenda o desmatamento na Amazônia. Em carta aberta, alertaram que a perda da biodiversidade e as emissões de carbono representam “risco sistêmico” a seus portfólios.
Piva ressaltou que o país precisa desenhar metas claras nesse campo e enfrentar o tema do desmatamento da Amazônia, inclusive, com punições. Para o empresário, é importante tratar da questão da regularização fundiária e do licenciamento ambiental de uma maneira mais afirmativa. “[Caso contrário] vamos ter problemas crescentes, que têm avançado em velocidade surpreendente”, afirmou.
Segundo ele, a temática deixou de ser agenda das ONGs. “Essa é a razão pela qual esse documento foi assinado e tem a cada dia recebido novos aportes de empresas interessadas em estar junto. Exatamente para mostrar ao governo a importância de se fazer algo e demonstrar lá fora que os grupos responsáveis têm compromisso com esse Brasil potência ambiental.”
Piva ressaltou três desafios importantes nesse âmbito: fazer a regularização fundiária, aprimorar a troca de informações entre órgãos, governos e entidades por meio da tecnologia, e encontrar incentivos corretos para o estímulo à preservação de florestas e recuperação da vegetação nativa. “Mostrando que exploração extrativista sustentável é rentável”, destacou. Na visão do CEO, o vice-presidente Mourão compreende essas necessidades e quer avançar nas questões.
Ele citou outros pontos que preocupam o empresariado, e a discussão sobre democracia e fortalecimento das instituições está entre eles. “Não sei como se pode conviver num sistema democrático, num país que se propõe a ser capitalista, embora ainda sejamos jovens, tanto na democracia quanto no capitalismo, sem termos instituições fortes”, disse o empresário, mostrando-se preocupado com a postura do Executivo federal diante da conjuntura.
“Tenho dito sempre que me preocupa muito a percepção de que Brasília, de alguma maneira, não tenha muitas vezes uma noção clara da crise pela qual estamos passando. De que há uma certa negação por parte principalmente do presidente [Jair Bolsonaro] em relação aos riscos, não digo apenas da covid, mas de fato à democracia”, observou.
Na visão de Piva, falta uma liderança para que o país avance, não só em relação às discussões ambientais, mas nas reformas estruturais. O empresário mencionou ainda a segurança jurídica como um ponto sensível. “O quanto estamos pagando caro por essa percepção de insegurança jurídica que carregamos aos olhos do mundo. Todos os entraves burocráticos e judiciais com os quais estamos vivendo, e que deveriam estar jogando a favor na medida em que temos um grande potencial de investimento e infraestrutura.”
O empresário ressaltou ainda a necessidade de interlocução mais positiva do Executivo com o Congresso e o Judiciário, para que as reformas em atraso voltem a andar. “Mas ele {Bolsonaro] não está tentando. Posso até ser criticado por dizer isso, mas ele não está tentando. O presidente acaba se atendo muito ao seu pequeno núcleo duro, à base da qual partiu.”
Piva ressaltou que empresas nacionais bem estabelecidas, com controlador definido e acionistas, têm visões e ousadia de longo prazo, percebendo claramente o potencial de consumo que o Brasil tem e as oportunidades à disposição. Mas ponderou que, apesar de ser um país “apetitoso”, os investimentos estrangeiros, mais imediatistas, podem decidir buscar outros mercados agora, numa fuga para ambientes mais seguros.
“E não temos capacidade, seja através do governo ou das próprias empresas, de aportar aquilo que é necessário nesse momento”, alertou o empresário. “A falta de atitude pode nos levar ao arrependimento no futuro.”
Valor Econômico