Pandemia volta a crescer no Equador
Foto: El Universo
Em abril, o jornalista equatoriano Carlos Jijón viveu uma saga para conseguir que sua mulher recebesse atendimento médico numa Guayaquil que transbordava de casos e mortes por coronavírus. “Aqui todos estão se afogando”, diziam enfermeiros ao recusá-la nos hospitais.
Três meses depois, aliviado e com a esposa já recuperada, Jijón conta que hoje a cidade “respira ares de alívio, ainda que com muito receio de uma nova onda de infecções”.
Segundo dados oficiais, foi registrada em 23 de maio a última morte em Guayaquil, símbolo da chegada do vírus à América Latina, com cadáveres deixados em casas por dias devido ao colapso do sistema funerário e caixões espalhados pelas ruas.
Ainda há, no entanto, toque de recolher, mas ainda assim menos drástico. Se antes a regra começava a valer às 14h e ia até as 5h, agora tem início às 23h. O uso de máscaras em locais públicos e nos ônibus segue obrigatório, e já não há mais o movimento intenso e noturno nos cemitérios.
“O governo atuou com um atraso de duas semanas, mas, quando o fez, foi rápido. Construíram dois hospitais, recolheram os corpos que estavam havia dias nas casas das pessoas”, conta Jijón.
“O problema é que muitas coisas foram feitas tão às pressas que geraram outros problemas. Há famílias que até hoje não sabem onde estão enterrados seus familiares.” De acordo com a prefeitura, ainda restam 298 corpos enterrados sem identificação.
Também ajudou a atenuar o problema o envio de equipes de saúde para os bairros mais atingidos, em vez de esperar que os pacientes cheguem ao hospital.
Enquanto a situação melhora no principal centro financeiro do país, na capital Quito o panorama começou a se agravar desde o início da flexibilização da quarentena, em 3 de junho.
Até então, a província de Guayas, onde está Guayaquil, com 14.184 infecções à época, respondia por 34,6% de todos os casos do país. Já Pichincha, que engloba Quito, representava 10,2%, com 4.166 contaminações.
Agora, Guayas corresponde a 23,7% do total, e Pichincha, a 15,8%. Em pouco mais de 40 dias, uma província acumulou 2.498 casos, enquanto a outra adicionou 6.913 novos contágios. Segundo a Universidade Johns Hopkins, o Equador registrou, até o momento, 71.365 infecções e 5.207 mortes.
Em declaração na terça-feira (14), o ministro da Saúde, Juan Carlos Zevallos, disse que a ocupação de leitos de UTI em Quito chegou à sua lotação máxima. Ainda assim, afirmou que “a situação não é grave”, porque o sistema de saúde da capital equatoriana, segundo ele, é mais bem equipado que o de Guayaquil.
Entre terça e quarta-feira, porém, três novas mortes por coronavírus foram contabilizadas, e corpos deixados nas ruas, coletados. Um deles foi o de um taxista de 77 anos que, segundo familiares, apresentava sintomas de Covid-19. O corpo foi retirado do táxi em que trabalhava.
A consequência política mais evidente da superação da doença em Guayaquil é a projeção do agora ex-vice-presidente Otto Sonnenholzner, 37, que renunciou ao cargo em 7 de julho para concorrer à sucessão do presidente, Lenín Moreno, nas eleições previstas para fevereiro de 2021.
Encarregado por Moreno para lidar com o combate ao vírus, Sonnenholzner percorreu áreas afetadas diariamente, distribuindo comida e visitando hospitais.
“Embora tenha o apoio do governo, Sonnenholzner surge como uma cara nova, um ‘outsider’, por ser jovem e não estar formalmente vinculado ao Alianza País [partido de Moreno e do ex-presidente Rafael Correa]”, diz o analista político Simon Pachano.
“Assim, não parece contaminado pelos casos de corrupção ou pelo desgaste da legenda, e isso será uma vantagem, junto ao fato de se aliar à imagem da luta contra o coronavírus.”
Entre os pontos negativos, Pachano diz que Sonnenholzner ainda não mostrou onde se situa no espectro político, ou seja, “muitos não sabem quais são seus valores políticos, morais, como se posiciona em relação à economia, a temas de gênero e à questão da soberania indígena”.
Além de Sonnenholzer, já se apresentou como pré-candidato o banqueiro centro-direitista Guillermo Lasso, que disputou o segundo turno com Moreno nas últimas eleições e, a princípio, não aceitou o resultado.
Lasso também atuou na pandemia, liderando a arrecadação de dinheiro entre empresários para ajudar na emergência sanitária. Assim como o adversário, realizou atos midiáticos de entrega de insumos a hospitais.
Ainda espera-se que Rafael Correa, que governou o país entre 2007 e 2017, mas que vive hoje na Europa, tente voltar ao poder, embora os obstáculos sejam vários.
Primeiro, porque já cumpriu três mandatos. E, por meio de um plebiscito, Moreno alterou a Constituição em 2018, impedindo mais de uma reeleição. Por isso, Correa sinalizou com a ideia de usar a mesma estratégia de Cristina Kirchner.
A ex-presidente argentina, ao perceber que sua taxa de rejeição era muito alta para vencer as eleições de 2019, apresentou-se como vice de Alberto Fernández, e o peronismo recuperou o poder.
Correa vem fazendo contatos com o ex-governador de Guayas Jimmy Jairala e propôs ao político uma aliança em que sairia como candidato a vice. Mesmo esse arranjo é complicado, porque para se registrar na disputa do pleito o ex-presidente teria de viajar ao Equador, onde há um mandado de prisão contra ele.
Dessa forma, ao aterrissar, corre o risco de ser preso. Correa foi condenado a oito anos de reclusão por corrupção e perdeu seus direitos políticos por 25 anos.
“Diria que é quase impossível ele conseguir se candidatar a algo, mas ele não deixará de tentar. E, mesmo se não conseguir, seu apoio a quem quer que seja será importante”, diz Pachano.
Apesar de ter apoiado a candidatura de Moreno, Correa logo passou a se opor ao herdeiro político e, do exterior, faz uma campanha contra ele.
Quem quer que seja eleito herdará um país complicado socialmente. Em meio a atos contra um aumento no preço dos combustíveis, em 2019, a questão indígena voltou a se mostrar relevante.
O governo acabou revogando o ajuste, mas o episódio trouxe à tona reivindicações desse setor da sociedade, que se sente excluído das decisões tomadas pela elite e representa 7% da população —ou quase 25%, se considerada a ascendência.
A situação econômica tampouco é boa. A estimativa do FMI é que o PIB do país caia 6,3% neste ano. Por outro lado, o governo conseguiu renegociar sua dívida externa de US$ 17,4 bilhões (R$ 92,76 bilhões).
“Neste aspecto, o Equador conseguiu uma situação no mercado financeiro internacional muito boa”, avalia Pachano. “A Argentina, por exemplo, ainda não conseguiu reestruturar sua dívida e corre o risco de dar um novo calote. O Equador estaria em melhores condições de conseguir um novo empréstimo agora.”