Políticos usam “taxis-aéreos” ilegais
Foto: Reprodução/Youtube
“A nossa festa começou. A primeira noite da 11° edição da ExpoJaru 2019 foi show! O parque estava cheio, muitas pessoas passeando, se divertindo, visitando os stands, o município de Jaru resgatou a nossa maior festa do agronegócio. Parabéns a todos”, escreveu o deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO) em uma rede social.
O parlamentar esteve na Feira Agropecuária, na companhia de lideranças políticas e empresários de Rondônia, no dia 9 de agosto de 2019. Mosquini fretou e pagou com dinheiro público um transporte aéreo que não estava registrado como táxi-aéreo — e foi reembolsado pela Câmara.
A CNN analisou centenas de documentos e identificou que ao menos 19 deputados federais emitiram notas fiscais de contratação para voos de aeronaves que não tinham licença para táxi-aéreo, como Mosquini, além de cinco senadores. O voo pirata, ou transporte aéreo clandestino (Taca), como é conhecido entre autoridades e especialistas, pode ser menos seguro e custa até metade do preço de uma operação legal, já que não cumpre todos os requisitos exigidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Ao menos cinco investigações foram abertas pela agência após as apurações da CNN e uma aeronave foi interditada. Estas investigações miram as aeronaves, seus pilotos e as empresas, não os parlamentares.
As informações analisadas pela reportagem são todas públicas. O recibo da viagem do deputado Lúcio Mosquini está disponível como despesa referente a agosto de 2019, em uso da cota parlamentar, no site da Câmara dos Deputados. De acordo com o documento, Rinaldo José da Silva, um empresário da cidade de Buritis (RO) recebeu R$ 3.600 pelo serviço de dois itinerários, no dia 9 (Ariquemes – Porto Velho – Jaru) e no dia 10 (Jaru – Ariquemes).
Até mesmo o proprietário da aeronave, que redigiu a nota, fez questão de deixar clara a falta de regularidade do voo como táxi aéreo com o seu Cessna 172RG de prefixo PT-MDA na descrição do serviço prestado: “categoria homologada TPP – Transporte de Passageiro Privado”. Ou seja, o monomotor não possui categoria táxi-aéreo (o chamado TPX) e não pode fazer voos comerciais.
Nota fiscal do voo usado pelo deputado Lúcio Mosquini
Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados
A informação foi confirmada pela CNN na base de dados de aeronaves da Anac. De acordo com as prestações de contas públicas, o deputado Lúcio Mosquini utilizou voos como este mais três vezes entre 2018 e 2019.
Nesses casos o parlamentar não é responsabilizado, mas sim tratado como vítima pelas autoridades. Embora não seja ilegal contratar um voo “pirata”, mesmo com dinheiro público, a checagem de uma aeronave pode ser feita online por qualquer pessoa, por meio do site da Anac e pelo aplicativo de celular Voe Seguro. Há diversas campanhas da agência sobre o tema.
Em 2020, esse tipo de prática continuou, mesmo após o início das investigações das autoridades. A reportagem identificou que o deputado federal Charles Fernandes (PSD-BA) também contratou transporte que não tinha autorização para táxi-aéreo. O parlamentar fretou em três ocasiões a aeronave de prefixo PP-FRV, habilitada apenas para transporte privado. As três viagens foram de ida e volta, partiram da cidade de Guanambi (BA), cidade na qual já foi prefeito, e tiveram Brasília como destino. A primeira viagem foi entre os dias 3 e 6 de fevereiro; a segunda, entre 11 e 13 de fevereiro; já a terceira, entre 10 e 12 de março. O valor de cada fretamento foi de R$ 15 mil, totalizando R$ 45 mil em 40 dias.
Procurados, os deputados Lúcio Mosquini e Charles Fernandes não quiseram se manifestar.
Ao analisar notas fiscais dos senadores, a CNN encontrou indícios de voo não autorizado em um voo usado por Cid Gomes (PDT-CE) em 21 de novembro de 2019, no trecho (Fortaleza – Sobral – Fortaleza). O prefixo da aeronave que consta em nota fiscal (PR-VIB) — no valor de R$ 4.000, apresentada pelo parlamentar para solicitar reembolso — não estava autorizado para fretamento. A Anac decidiu interditar a aeronave daquela viagem depois de ser procurada pela reportagem e ainda abriu outras quatro investigações sobre as empresas responsáveis por voos irregulares usados por senadores. Os parlamentares não são investigados.
A transparência das notas fiscais do Senado é limitada, pois os documentos só passaram a ficar disponíveis a partir do segundo semestre de 2019. Voos contratados antes deste período não puderam ser checados por meio de documentos públicos.
Em ofício direcionado ao Senado, em setembro de 2019, a Anac pediu acesso a notas fiscais de fretamento de aeronaves pelos parlamentares da Casa. A agência diz que tem como objetivo “sensibilizar do perigo do transporte aéreo clandestino e evitar que sejam vítimas deste tipo de prática”.
O ofício argumenta ainda que “não era necessária a identificação do senador que utilizou o serviço, nem a origem e destino e nem mesmo o valor pago, apenas a identificação das aeronaves utilizadas no serviço”. A agência federal disse ainda que faz trabalho semelhante com a Câmara.
Procurado por meio de seu e-mail oficial e assessoria de imprensa, o senador Cid Gomes não respondeu.
A Anac explica que vem interagindo com a administração da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para informar sobre as regras para a contratação segura deste serviço. Ressalta que investigações sobre voos clandestinos não tem o foco no passageiro, uma vez que a responsabilidade pela regularidade da prestação do serviço é sempre do operador aéreo.
“Eles [os parlamentares] são vítimas como qualquer cidadão. O passageiro não tem conhecimento sobre as peculiaridades da aviação. E é o nosso papel como agência fornecer informações para que possa haver uma contratação segura”, diz o gerente de Operações da Anac, Marcelo Lima.