Senado aprova lei controversa sobre fake news
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Em uma derrota para o governo de Jair Bolsonaro, o Senado aprovou nesta terça-feira (30) o projeto de lei sobre fake news por 44 votos a 32. Houve 2 abstenções.
Agora, a proposta segue para a Câmara dos Deputados. Se for aprovado sem alterações, vai para sanção do presidente da República. O governo orientou seus aliados pelo voto contrário.
Após longa negociação, os senadores votaram uma versão desidratada em relação ao que vinha sendo discutido. O projeto, relatado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi acelerado na esteira do inquérito que apura a divulgação de notícias falsas e ameaças contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Uma CPI mista do Congresso investiga também a prática de fake news.
O texto aprovado pelo Senado manteve a retirada de um ponto polêmico debatido pelos senadores nas últimas semanas: a exigência de documentos (como CPF, identidade e passaporte) e número de telefone celular para abertura de contas em redes sociais.
Pela proposta, a identificação dos usuários irá ocorrer sob responsabilidade das plataformas apenas em casos suspeitos.
As plataformas devem, segundo o projeto, identificar os conteúdos impulsionados e publicitários cujo pagamento pela distribuição foi feito ao provedor de redes sociais.
Os senadores aprovaram a exigência de guarda dos registros da cadeia de reencaminhamentos de mensagens no WhatsApp para que se possa identificar a origem de conteúdos ilícitos.
O armazenamento de registros se dará apenas das mensagens que tenham sido reencaminhadas mais de cinco vezes, o que configuraria viralização. Os dados armazenados sobre a cadeia de encaminhamento só serão acessíveis por meio de ordem judicial e quando as mensagens atingiram mil ou mais usuários.
Pelo projeto, ficaram proibidos o uso e a comercialização de ferramentas externas aos serviços de mensagens privadas e por eles não certificadas voltadas ao disparo em massa.
A matéria isentou a disseminação de fake news de penalizações criminais, retirando da versão debatida o financiamento de redes de fake news das leis de organização criminosa e lavagem de dinheiro. O texto final ainda excluiu a obrigatoriedade das empresas de identificação prévia no uso de pseudônimos para a inscrição em redes sociais.
Ficou de fora também um artigo sobre a remuneração por uso de conteúdos jornalísticos, artísticos e outros por redes sociais.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que o Palácio do Planalto procurou chegar a um texto de consenso.
Segundo ele, no entanto, o projeto, da forma como ficou, é prejudicial aos investimentos no país, o que poderia causar prejuízos à economia. “O governo, embora reconheça o esforço feito, entende que a versão final não atende aos interesses nacionais”, disse.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, foi um dos contrários ao projeto.
O relator Angelo Coronel entregou o texto aos senadores na noite desta segunda-feira (29). Foi a quarta versão do relatório elaborada pelo parlamentar em 11 dias, a fim de que se chegasse a um consenso para a apreciação.
De acordo com o texto votado, o acesso aos dados de identificação somente poderá ocorrer para fins de constituição de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, mediante ordem judicial.
As plataformas de redes sociais deverão ter sede e representante legal no Brasil, sem a obrigatoriedade de um banco de dados no país.
A proposta estipulou que os serviços de mensagens devem suspender as contas de usuários cujos números forem desabilitados pelas operadoras de telefonia. A medida não se aplica aos casos em que as pessoas tenham solicitado a vinculação da conta para novo número de telefone.
Pouco antes do início da votação, o relator ainda acatou novas alterações ao texto. Uma delas foi para reforçar que as medidas previstas atingirão apenas os números celulares cujos contratos forem rescindidos ou pelo usuário ou pela plataforma.
Outra mudança garantiu o direito de resposta e a remoção imediata de conteúdos em situações graves como também de violação a direitos de crianças e adolescentes, que havia ficado de fora. Preconceitos por questões de raça, etnia e procedência nacional, orientação sexual e de gênero, origem e religião já estavam contemplados.
O texto também prevê a aplicação de multa para as plataformas caso não cumpram as regras de identificação dos responsáveis pela disseminação de fake news. A punição, neste caso, pode chegar a até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício. Poderá haver ainda suspensão das atividades.
Os valores serão destinados ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
O líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), chegou a afirmar que a proposta traria perdas econômicas ao país ao limitar a atuação de redes sociais. O PSL também foi contrário.
“Meu objetivo sempre foi vencer o anonimato. Não é admissível que a sociedade se veja refém daqueles que usam de perfis falsos para disseminar ameaças e mentiras. O anonimato é o caminho pelo qual crimes estão sendo cometidos nas redes sociais”, disse o relator, em defesa do projeto.
O texto determina a criação de uma instituição de autorregulação das plataformas, que seria responsável por elaborar regras e adotar medidas como rotular e colocar advertências em conteúdo caracterizado como fake news.
O projeto também diz que as contas de redes sociais de funcionários públicos, como ministros e secretários, e ocupantes de cargos eletivos serão consideradas de interesse público, tendo de respeitar os princípios da administração pública, além de listar regras de transparência para publicidade estatal, proibindo a veiculação em determinados sites que promovem a violência, por exemplo.
Segundo o texto aprovado, as contas de detentores de mandatos, ministros e secretários não poderão bloquear o acesso de usuários às suas publicações.
Para viabilizar a votação, o relator retirou toda a parte que tratava de eleições. Com isso, ficou de fora, por exemplo, a determinação para o pagamento de multa de até R$ 1 milhão a candidatos que se beneficiarem com propaganda com conteúdo manipulado para atacar os adversários durante as eleições.
Facebook, Google, Twitter e WhatsApp, em análise enviada a senadores, caracterizaram a legislação como “um projeto de coleta massiva de dados das pessoas resultando no aprofundamento da exclusão digital e pondo em risco a privacidade e segurança de milhares de cidadãos”.
O relatório foi estruturado sobre o projeto de lei do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A proposta, caso aprovada pela Câmara e sancionada pelo presidente Bolsonaro, institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Mesmo com as mudanças feitas poucas horas antes da votação, o projeto foi a plenário sem acordo. No começo da tarde desta terça havia cinco requerimentos para a retirada de pauta. Um grupo de senadores reivindicou a realização de audiências virtuais para debater a proposta, antes que ela fosse colocada em apreciação.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), por meio de um requerimento aprovado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), defendeu a retirada do projeto da pauta. Ele alegou que a proposta não tinha relação com a pandemia causada pelo novo coronavírus, que têm prioridade nas votações no Senado.
O pedido foi negado por Alcolumbre. Ele afirmou que, apesar das divergências, a votação da matéria em plenário era urgente, devido aos ataques que são feitos em redes sociais.
“O Senado dará um sinal claro na votação desta matéria, que estamos buscando conhecer e entender esse universo que precisa ser reconhecido de liberdade de expressão, mas que alguns criminosos usam para agredir a vida de milhares de brasileiros”, disse.
O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), alegou que o projeto não se trata de mordaça.
“Quem quiser dar sua opinião que o faça, mas não atrás das máquinas de fake news que se instalaram no país. É preciso colocar um freio na pandemia de fake news.”