Aras deve acabar com Lava Jato e impor transição
Foto: Pedro França/Agência Senado
Em guerra com a Lava-Jato, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem até o dia 10 de setembro para decidir se prorroga a atuação dos procuradores da força-tarefa de Curitiba, comandada por Deltan Dallagnol. Caso decida pela não renovação, o cenário mais provável é que seja adotado um modelo de transição para não paralisar as investigações que viraram símbolos do combate à corrupção.
Interlocutores do PGR afirmam que ele ainda não tomou uma decisão, mas que tem analisado diferentes cenários. Um deles é manter apenas parte dos 14 procuradores que hoje atua no Paraná. Outra possibilidade seria destacar novos integrantes para o grupo, mas sem que eles trabalhem em regime de dedicação exclusiva.
Nessa linha, a PGR abriu um edital em julho pedindo para que os integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que quisessem colaborar com o trabalho das forças-tarefas se candidatassem. Ao todo, 12 procuradores se inscreveram, dos quais sete apontaram interesse de atuar em Curitiba. Esses profissionais terão que acumular o trabalho com o seu ofício de origem.
Outra alternativa seria escalar os procuradores que hoje atuam no recém-criado Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Paraná para ajudar na Lava-Jato.
Na prática, se Aras simplesmente decidir acabar com a força-tarefa, isso significa que Deltan, que é procurador natural do caso, terá que tocar sozinho as cerca de 400 investigações que tramitam em Curitiba.
Integrantes do MPF afirmam que, como seria impossível dar conta de um acervo deste tamanho, ele seria obrigado a distribuir os inquéritos para os colegas que atuam em outras frentes na Procuradoria da República do Paraná. A possibilidade preocupa a unidade que, em ofício encaminhado a Brasília, diz que não conta com estrutura “minimamente capaz de dar continuidade ao relevante trabalho da força-tarefa”.
Na semana passada, a força-tarefa enviou à PGR o pedido de prorrogação dos trabalhos por mais um ano. O grupo aponta que está aberto a um modelo de transição, mas defende que, enquanto não houver uma definição sobre isso, seria importante manter o grupo atuando em regime de exclusividade.
“De fato, numa equipe de 14 integrantes, retirar a exclusividade daqueles que assim atuam em um caso pode malferir a própria capacidade operacional da equipe de realizar investigações e atuar nos processos tanto quanto a remoção ou o encerramento das designações”, diz o texto.
Integrantes do Conselho Superior do MPF estudam redigir uma carta de apoio à continuidade dos trabalhos da força-tarefa e defendem que Aras não deveria decidir sozinho sobre o futuro da Lava-Jato. O posicionamento será nos moldes do divulgado há algumas semanas pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, responsável pelos processos criminais na PGR, que recomendou a continuidade de todas as forças-tarefas até que seja definido outro modelo de atuação, como a criação da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac).
Iniciada em 2014, a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba já foi prorrogada sete vezes, por decisões de dois diferentes PGRs: Rodrigo Janot e Raquel Dodge. Aras, porém, tem feito reiteradas críticas aos métodos da operação e dito que é necessário impor uma “correção de rumos” ao grupo.
Em entrevista ao Valor, o procurador da República Julio Noronha, que integra a força-tarefa, afirma que a decisão do procurador-geral da República poderá colocar um “ponto final” na Lava-Jato. “Para um trabalho de qualidade em um caso dessa dimensão é preciso que haja pessoas suficientes trabalhando nele com exclusividade, que elas acumulem e desenvolvam conhecimento das investigações e de seu histórico, e ainda que haja sinergia entre os seus integrantes e destes com os outros órgãos. Isso demanda muito esforço e tempo para se estabelecer. O prejuízo para as investigações seria evidente.”
Ele destaca que, além das 400 investigações em curso, a decisão poderá colocar em xeque a continuidade de cerca de 700 pedidos de cooperação internacional, 200 colaborações premiadas e leniências e o acompanhamento do pagamento de mais de R$ 14 bilhões em acordos.
“Isso não se quer dizer que o modelo de força-tarefa seja o único a dar conta do recado. É possível criar alternativas, como uma unidade nacional anticorrupção e ter um período de transição para não haver solução de continuidade. Contudo, até o momento, embora essa também pareça ser a preocupação do PGR, não há no MPF uma alternativa institucional”, diz.
Noronha também critica a possibilidade de substituir parte da equipe do Paraná por procuradores sem dedicação exclusiva. “Desde 2014, o trabalho aumentou mais de 1.600%, enquanto a força de trabalho apenas 79%. O aumento de trabalho é 20 vezes maior que a mão de obra. Assim, a necessidade se liga mais ao acréscimo do que à substituição de procuradores. Além disso, a previsão é de que tais procuradores, que poderão agregar, não trabalharão em regime de exclusividade. É muito importante que numa força-tarefa ao menos uma parte de seus membros tenha exclusividade, porque investigações complexas demandam imersão.”
O procurador também rebate o argumento que vem sendo usado pela equipe de Aras de que é um custo muito grande manter a estrutura da força-tarefa, especialmente com o pagamento de diárias. “Se fosse uma empresa investindo R$ 3,7 milhões para recuperar R$ 14 bilhões, acho que todos concordariam que é algo, na verdade, para ser expandido”, afirma.