Auxílio emergencial faz milagres, mas burocratas não querem
Foto: Sandro Pereira/VEJA
Os 600 reais mensais distribuídos pelo auxílio emergencial do governo federal se mostraram um grande motor para o consumo dos brasileiros, tanto que, diariamente, aumentam as pressões para continuidade do benefício e um estudo do banco americano JP Morgan mostra como será difícil retirar o auxílio para os brasileiros. A entidade aponta que a renda domiciliar per capita dos brasileiros subiu 12% com o auxílio, o que tem estimulado fortemente o varejo e segurado o consumo. A influência no setor é tanta que o banco de investimentos já considera a continuidade do programa de transferências para além da quinta parcela, programada em agosto, calculando pelo menos mais quatro meses de auxílio, mesmo que com valores menores. “ventos favoráveis de renda provenientes de transferência direta podem chegar até no próximo ano se o estímulo for estendido”, afirma o estudo ao estimar o impacto da medida.
Segundo o JP Morgan, os setores do varejo mais beneficiados pelo Auxílio Emergencial são os essenciais: varejo alimentício e medicamentos. Após as despesas essenciais, vem o vestuário, eletrônicos e eletrodomésticos, estimulando praticamente todos os setores varejistas. A consequência da transferência de renda massiva ao brasileiro, que pegou gosto pelo programa, ajudou a elevar a expectativa para o ano que vem. Apesar de estarmos vivendo a maior crise desta geração trazida pela pandemia do novo coronavírus, 90% dos entrevistados pelo JP Morgan para a pesquisa sobre o auxílio emergencial acreditam que sua situação financeira se manterá estável ou melhorará nos próximos 12 meses. A percepção atual de 60% das pessoas é que a renda melhorou em relação ao ano passado. E, de fato, houve melhora. O banco usa dados do IBGE para demostrar o impacto da transferência de renda. O rendimento mensal por pessoa moradora do Norte do país, por exemplo, subiu de 70 reais para 875 reais com o AE, um incremento de 24%. No Nordeste, a diferença saiu de 687 reais para 868 reais com o auxílio, alta de 26%
O grande problema para a prorrogação do auxílio emergencial é que o programa é impagável a longo prazo. Para beneficiar as cerca de 64 milhões de pessoas que recebem hoje os benefícios, os gastos giram em torno dos 50 bilhões de reais mensais, algo insustentável a longo prazo.
Até o fim deste ano, por conta do estado de calamidade pública e o orçamento de guerra, gastos relacionados com a pandemia não estão sujeitos ao teto de gastos. E, caso não altere o valor do benefício, o governo pode prorrogar o auxílio via decreto, sem precisar passar pelo Congresso. Esse ponto é usado como defesa por alas do governo que veem a elevação do gasto público como a saída para retomada. Enquanto isso, a equipe econômica do governo, que tecnicamente não é favorável a prorrogação do auxílio, tenta argumentar em uma retomada baseada em reformas já a partir desse trimestre. O lado social deve ficar por conta da remodelação do Bolsa Família e outros programas assistenciais, como o abono do PIS e o Seguro Defeso, que passariam a compor o Renda Brasil. Entretanto, a lenta velocidade das reformas e a deterioração da própria base econômica do governo – com cinco baixas na equipe de Guedes entre julho e agosto – mostram a dificuldade da agenda de ajustes. Apesar de Bolsonaro se mostrar favorável ao teto de gastos e a agenda reformista de Guedes, o auxílio emergencial tem sido bom para sua popularidade e não há uma solução viável a curto prazo.
O desafio de fazer a economia girar após programa de transferência de renda não é exclusiva do Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, Democratas e Republicanos não entraram em acordo pelo auxílio de 600 dólares dado durante a pandemia. Com o fim do benefício e medo de choques na economia devido a menos dinheiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva para continuar a pagar o benefício, mas dessa vez com cheques de 400 dólares. Diferentemente dos Estados Unidos, porém, o Brasil é um país em desenvolvimento e assumir um déficit fiscal alto é mais prejudicial à economia. O desafio está na mesa de Bolsonaro, resta saber como ele irá solucionar o trunfo que virou armadilha.