Bolsonaristas falsificam vídeo da agressão de Bolsonaro a repórter

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

Um dia depois de Jair Bolsonaro ameaçar agredir um repórter que fez uma pergunta sobre o suposto esquema de rachadinha envolvendo sua família, perfis bolsonaristas difundiram um vídeo com legenda falsificada para sugerir que o presidente teria sido provocado. O boato acabou impulsionado por diversos blogs governistas.

Os blogs Senso Incomum e Terra Brasil Notícias publicaram textos baseados no vídeo com a legenda falsificada e afirmaram que o repórter teria dito a Bolsonaro a frase “vamos visitar sua filha na cadeia”. O áudio, no entanto, mostra claramente que alguém diz “vamos visitar nossa feirinha na catedral”. Depois de espalhar a falsa versão, as duas páginas se retrataram. O Terra Brasil Notícias, porém, não apagou o conteúdo.

O próprio Jair Bolsonaro e seu filho Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, publicaram vídeo do incidente em suas redes sociais – sem a legenda falsa. “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”, diz a descrição do vídeo, em referência a um versículo da Bíblia que Bolsonaro usa em contextos políticos desde a campanha presidencial de 2018.

Bolsonaro compareceu a uma feira de artesanato na Catedral Metropolitana de Brasília no domingo, 15. Ele foi questionado por um repórter do jornal O Globo sobre repasses feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro. “Vontade de encher tua boca de porrada”, respondeu o presidente. Questionado por outros repórteres se isso seria uma ameaça, não comentou.

O Palácio do Planalto foi questionado pelo Estadão sobre o teor da frase, mas respondeu que não iria comentar.

Após o ocorrido, usuários do Twitter compartilharam a pergunta do repórter como forma de demonstrar solidariedade aos jornalistas. O pesquisador Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudo sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo, identificou que o movimento começou por volta das 18h30 e chegou ao patamar de mais de mil tuítes por minuto às 23h30.

Entidades reagiram à agressão verbal do presidente contra o repórter. O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, considerou “lamentável que, mais uma vez, o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista”, e disse que a atitude “em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição”.

Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, lamentou em seu Twitter o que chamou de “volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas”.

Em nota conjunta, as organizações Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres sem Fronteiras se solidarizam com o repórter e destacaram que “a ameaça de agressão física se soma a um histórico de forte hostilidade de Bolsonaro contra jornalistas e marca um novo patamar de brutalidade”.

Conforme informações da Revista Crusoé, confirmadas pelo Estadão, extratos bancários de Fabrício Queiroz mostram que o ex-PM depositou 21 cheques em nome da primeira-dama entre outubro de 2011 e dezembro de 2016. O valor total seria de R$ 72 mil.

Fabrício Queiroz trabalhou por dez anos nos gabinetes da família bolsonaro no Rio de Janeiro. O Estadão revelou um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) anexado à Operação Furna da Onça, em 2018, que apontava irregularidades nas contas bancárias do ex-PM. O documento foi o ponto de partida para a investigação que aponta suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O senador também é investigado por possível lavagem de dinheiro com compra de imóveis e com uma loja de chocolates.

O ex-assessor se encontra em prisão domiciliar por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi preso preventivamente, em junho, em uma casa em Atibaia, no interior paulista, pertencente a Frederick Wasseff, ex-advogado de Flávio Bolsonaro. O pedido de prisão foi feito pela Justiça fluminense, com a justificativa de que ele estaria dificultando as investigações. Entre idas e vindas na Justiça, advogados entraram com recurso no STF para que Queiroz deixasse a cadeia e ficasse em prisão domiciliar.

Estadão