Criminalista quer punir fake news com multas pesadas

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Foto: Reprodução

Atingir o bolso de quem dissemina fake news e garantir às vítimas o direito à proteção contra ameaças que possam extrapolar o ambiente virtual. Para o criminalista Marcelo Ávila de Bessa estes seriam os dois caminhos para combater a profusão de ofensas e informações falsas na internet.

“Na medida em que se estabelecer punições pecuniárias mais altas, vai se ter uma inibição das chamadas fake news, as pessoas vão começar a sentir no bolso o peso da irresponsabilidade”, afirma o advogado que já foi juiz de direito e desde 1995 possui escritório em Brasília atuando com tribunais superiores em causas criminais.

Episódios recentes de divulgação de notícias falsas e até ameaças chamaram a atenção, como foi o caso do youtuber e empresário Felipe Neto. Na semana passada, ele foi ameaçado por militantes bolsonaristas que foram até a porta do condomínio onde ele vive, no Rio de Janeiro, com um carro de som. O grupo fez ameaças a Felipe Neto na esteira de fake news que circularam na internet associando o youtuber a pedofilia.

Em outro caso, a Justiça de São Paulo condenou recentemente um parlamentar e um empresário a pagar indenização por danos morais ao ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL) por postagens que o associaram a Adelio Bispo, autor do ataque a faca ao presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018.

Para Bessa, os episódios reacendem um importante debate no direito sobre o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à honra.

Leia a entrevista completa:

ESTADÃO: A Justiça de São Paulo condenou recentemente um empresário e um parlamentar bolsonarista a pagar indenização ao ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL) por terem associado ele ao autor do ataque a faca contra o presidente Jair Bolsonaro. Como equilibrar a liberdade de expressão com os demais direitos e o jogo político que sempre foi marcado por ataques e exageros?

Marcelo Ávila de Bessa: Não é raro acontecer conflito entre princípios constitucionais, principalmente quando você tem de um lado, por exemplo, intimidade, liberdade, e de outro lado interesse público e direito a honra. A Constituição estabelece por um lado a liberdade de expressão como uma garantia inalienável de qualquer cidadão, mas também garante o direito à honra pessoal. Como sopesar isso? Você consegue isso quando se estabelece um sistema indenizatório punitivo, na minha opinião. De um lado é temerário se estabelecer a censura prévia ou a proibição de veiculação, por outro lado, uma vez constatado o abuso do direito de informar e se expressar, com ofensas e críticas que saiam do campo ideológico propriamente dito, a sanção pecuniária tem que ser suficiente para inibir a ocorrência de outros fatos de mesma gravidade. Em outras palavras, na medida em que se estabelecer punições pecuniárias mais altas, vai se ter uma inibição das chamadas Fake News, as pessoas vão começar a sentir no bolso o peso da irresponsabilidade e é nesse caminho que acredito que a democracia brasileira tem que seguir. Não há como, a pretexto de se querer prevenir a existência de Fake News, se estabelecer uma espécie de censura prévia, isso é impossível, com certeza vai colidir com os valores democráticos mais próprios e levar a um alto grau de subjetividade e, possivelmente, de arbitrariedade daquele que se posicionar como censor. Dessa forma, as indenizações de caráter inibitório serão suficientes, a médio e longo prazo para se ter o equilíbrio maior entre o direito a honra e a intimidade, de um lado, e o direito à informação do outro.

ESTADÃO: Apesar dessa decisão, muitos episódios de ofensas e ataques com informações inverídicas não param de circular na internet. Como a Justiça pode atuar para cessar a disseminação de fake news ou ao menos fazer da internet um ambiente menos sujeito a tantas informações falsas?

Marcelo Bessa: Neste ponto é necessário se implementar a obrigatoriedade de identificação das pessoas que fazem as postagens, apesar disto ser considerado um ponto polêmico para vários setores. Ainda que essas pessoas possam se apresentar sob pseudônimo, as operadoras e os provedores tem que ter a identificação correta de quem publica na internet, para que estas pessoas possam vir a ser responsabilizadas. Só com isso essas pessoas poderão sofrer as consequências dos atos ilícitos que elas venham a praticar, pois, caso contrário, as indenizações pecuniárias seriam inócuas.

ESTADÃO: Além dos ataques e ofensas na internet, recentemente um militante foi até a casa do youtuber Felipe Neto ameaça-lo pessoalmente. Até que ponto estes comportamentos podem ser tolerados pela Justiça? O sistema judicial já não deveria ter atuado para se evitar um mal maior?

Marcelo Bessa: O sistema penal já tem medidas próprias para garantir a integridade de uma pessoa que se sente ameaçada. Basta, por exemplo, que a pessoa ameaçada procure o Ministério Público e informe a situação para que o órgão adote os encaminhamentos necessários, ou em situações mais peculiares, até em âmbito cível, como em ações de separação, é possível se pedir medidas protetivas. A exemplo do que se tem com a Lei Maria da Penha, a Justiça pode estabelecer as chamadas medidas cautelares alternativas à prisão que impeçam o contato da pessoa que ameaça com o ameaçado. A Legislação talvez precise de um aprimoramento para se permitir que essas medidas possam ser postuladas de um caráter mais geral por qualquer pessoa e, havendo um motivo justo, possa o juiz determinar as medidas necessárias para se evitar um agravamento de atos ilícitos ou até se evitar um crime.

Estadão