Dallagnol já tem discurso para saída da Lava Jato
Foto: Guilherme Pupo/Valor
O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, afirmou que, caso o Conselho Nacional do Ministério Público Federal (CNMP) decida afastá-lo do comando da operação na próxima semana, isso vai fragilizar o combate à corrupção no país e representará a vitória “de um sistema político que foi incomodado” pelas investigações.
Em entrevista ao Valor, Dallagnol afirmou que uma eventual punição afetará “ a independência do trabalho do Ministério Público nos casos onde pessoas poderosas, com grande influência política, são investigadas ou processadas”.
Para ele, o seu “afastamento daria espaço para pretensões nitidamente retaliatórias de um sistema político que foi incomodado pela Lava-Jato”.
Segundo o procurador, “o que está em jogo vai muito além de Deltan ou da Lava-Jato”. “Eventuais equívocos da atuação de procuradores e juízes são corrigidos na via recursal. Jamais se reconheceu qualquer infração funcional em nossa atuação em investigações e processos, que é coletiva e não individual”, justificou.
Dallagnol preparou uma ofensiva jurídica – já ajuizou duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) – para tentar adiar a análise dos processos no CNMP, que se reúne na próxima terça-feira para debater o caso.
Para ele, os procedimentos – que chegam a 19 no CNMP – são todos “muito frágeis” e, por isso, acredita que o decano Celso de Mello, relator das ações no Supremo, vai barrar a investida do órgão, comandando pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. “Um foi pedido por Renan Calheiros em razão de poucos comentários que fiz em redes sociais defendendo a campanha de voto aberto para a presidência do Senado e indicando que a eventual eleição de Renan poderia dificultar o avanço da pauta anticorrupção, considerando que o senador era investigado no âmbito da Lava-Jato, tendo inclusive mais tarde vindo a se tornar réu por corrupção e lavagem de dinheiro junto ao STF”, disse.
Na visão do procurador, não houve quebra de decoro, mas sim “exercício respeitoso da liberdade de expressão para participar do debate público”.
Ele afirmou ainda que “há atropelos procedimentais” na tramitação dos processos que “violam regras do próprio regimento interno do CNMP”.
Questionado se em algum momento pensou em deixar o comando da Lava-Jato, para preservar o legado da operação, ele afirmou que “pressões sobre a Lava-Jato existem desde seu início”, mas que jamais se submeteu “a pressões indevidas”. “Isso seria impróprio. É para isso que existem as garantias constitucionais de independência funcional, do promotor natural e da inamovibilidade. O CNMP dirá na sua decisão se essas garantias são para valer ou não”, apontou.
Desde o ano passado, após o site “The Intercept Brasil” publicar mensagens que colocaram em xeque a imparcialidade das investigações da Lava-Jato, o procurador vem sendo alvo de questionamentos, dentro e fora do MPF.
Dallagnol também classificou como “irresponsáveis” as recentes críticas de Aras ao trabalho da Lava-Jato. “Uma força-tarefa nada mais é do que uma equipe designada pelo próprio procurador-geral para auxiliar um procurador quando um caso em que trabalha se tornou muito grande para uma só pessoa. Com isso, cria-se um ambiente favorável para o desmonte de um modelo de combate à corrupção que vem funcionando e bem ao longo dos últimos anos”, disse.
Para ele, “não se pode acabar com as forças-tarefas sem que haja uma estrutura equivalente para levar à frente o trabalho anticorrupção que desempenham”. “Do contrário, perde a sociedade”, defendeu.
O procurador disse esperar que o trabalho da força-tarefa seja prorrogado, mas lembrou que essa é uma decisão que cabe a Aras, que tem até setembro para definir o futuro do grupo paranaense. “Tanto a corregedoria como a Câmara de Combate à Corrupção do MPF já se manifestaram no sentido de que é importante que o apoio da PGR aos trabalhos continue”, disse.
Em ofício enviado ao STF, a força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo também fez críticas à PGR. Na peça, o grupo diz que “não é verdadeira” a informação repassada à Corte pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, de que eles se recusaram a dar acesso a suas bases de dados. O vice-PGR teria transcrito apenas uma parte da resposta dada pelo grupo, omitindo o parágrafo em que os dados foram colocados à disposição. “Jamais houve recusa.”
Na peça, o grupo diz que a impossibilidade de apresentar os dados naquele momento devia-se a motivos técnicos. A manifestação é assinada pela coordenadora da Lava-Jato paulista, Janice Ascari, e pelos demais procuradores da força-tarefa.