Ex-secretário de Saúde delatou Witzel
Foto: Fabiano Rocha / O Globo
Anestesista, tenente-coronel da Polícia Militar do Rio e ex-secretário de Saúde do Estado, Edmar Santos, faixa preta em karatê, deu um duro golpe no governador Wilson Witzel, seu ex-chefe. Foram as informações fornecidas por Edmar em seu acordo de delação premiada, firmado no início do mês com a Procuradoria-Geral da República (PGR), que deram base à subprocuradora-geral, Lindôra Maria de Araújo, para abrir a investigação que derrubou a maior autoridade do poder executivo do Rio. Nesta sexta-feira, dia 28, Witzel foi afastado imediatamentel do cargo de governador por 180 dias, após uma decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A delação corroborou as provas amealhadas nas operações Placebo e Favorito, realizadas em maio e junho, que revelaram esquemas de corrupção envolvendo pagamento às Organizações Sociais na área da Saúde em meio à pandemia da Covid-19. Edmar deu nome aos bois, permitindo aos investigadores visualizar todos os personagens da organização e o papel de cada um nos desvios.
Edmar, de 51 anos, foi o primeiro secretário à frente da Saúde no governo Witzel. Com o avanço da Covid-19, passou a ser um dos integrantes mais influentes da administração estadual, a ponto de transferir sua pasta do Centro para um anexo do Palácio Guanabara, em Laranjeiras, ficando ainda mais próximo do governador e evitando, assim, conversas por telefone. Com isso armazenou segredos de coxia.
De acusado, passou a ser réu colaborador ao assinar a delação, num intricado processo que lista um rol de fraudes na área de saúde que incluem desde compras de respiradores com sobrepreço ou inadequados para o tratamento da Covid-19, superfaturamento em contratos de oito hospitais de campanha e indícios de direcionamento de contratos. Durante o período de pandemia, o governo estadual fez gastos de cerca de R$ 1 bilhão.
Em novembro de 2018, quando a equipe de transição do governador eleito Wilson Witzel traçava as metas das secretarias, na parte de Saúde, lá estava Edmar, que era diretor-geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe). Então major médico da Polícia Militar em janeiro de 2016, ele foi disponibilizado para o hospital por um período de dois anos. Também passou a atuar como professor universitário associado na Uerj.
Ao participar da formação do governo Witzel, tinha na bagagem a fama de ter dado um choque de gestão no Hupe, garantindo uma verba orçamentária que tirou o hospital da falência, montando inclusive um plano de infraestrutura para modernizar o prédio do Hospital, em Vila Isabel. Isso lhe serviria de cartão de visita para ser secretário da pasta, além de angariar o apoio de políticos. Ele teria tirado do páreo, por exemplo, o então diretor do Hospital Universitário Gaffreé Guinle, Fernando Ferry, que acabou por substituí-lo no auge dos escândalos, por pouco mais de um mês.
Uma das qualidades de Edmar era justamente a facilidade de montar uma rede contatos. Costumava participar de conferências e workshops, por conta do seu trabalho acadêmico e no hospital. Ele levou essa influência para a pasta da Saúde. Não à toa, Edmar passou a ser referência para políticos. Antes de se transferir para o Palácio Guanabara, no momento de pandemia, Edmar passava o maior tempo dentro do gabinete, com elevador exclusivo para quem lhe visitava no antigo prédio no número 128 da Rua México, que pertence ao Ministério da Saúde.
Assessores contam que havia um vaivém de deputados estaduais, além de donos de empresas. São essas imagens que o Ministério Público do Rio, no bojo da Operação Marcadores do Caos, que apurou a fraude nas compras de respiradores para as unidades de saúde para a pandemia, pediu exaustivamente à Secretaria estadual de Saúde para embasar as investigações.
Na secretaria, Edmar se fazia de boa-praça e pessoa extremamente ocupada. Vivia em reuniões de segunda a quinta-feira pois, na sexta-feira, partia para a casa em Petrópolis com a mulher e o casal de filhos. Quando era demandado nos fins de semana, era possível ouvir o canto dos passarinhos ao fundo. Mas foi com a disseminação do coronavírus que ele passou a ser o garoto de propaganda de Witzel. As coletivas para explicar as medidas que estavam sendo tomadas para conter o vírus da Covid-19 popularizaram Edmar, que passou a ser figura constante nos noticiários da manhã, principalmente por ter defendido, desde o início, o isolamento social, ao contrário do que preconizava o governo federal, por parte do presidente Jair Bolsonaro.
Quando surgiram os escândalos da saúde, com a exoneração seguida de prisão do subsecretário executivo da pasta Gabriell Neves, o mundo de Edmar caiu. Ele tentou se sustentar, mesmo sendo exonerado por Witzel. O governador criou, para ele, o cargo de secretário Extraordinário de Acompanhamento das Ações Governamentais Integradas da Covid-19. Mas durou pouco porque a situação ficou insustentável. Em 17 de maio, a Justiça o proibiu de assumir outro cargo no primeiro escalão por conta das denúncias e o próprio Edmar pediu para sair.
Antes disso, quando os casos da doença explodiram, ele, vaidoso, dizia que estava feliz pelo trabalho que estava fazendo. Contava que um dos momentos de maior emoção que teve foi quando se encontrava numa padaria tomando um café perto de casa, em Botafogo, depois de um passeio com o seu cachorro, e foi abordado por uma senhora. Segundo ele, ela o agradeceu pelo trabalho à frente da pasta. Em 10 de julho, quando Edmar foi preso, ele vestia um casaco com capuz, usava máscara e escondia o rosto. Foi assim que chegou à Cidade da Polícia, no Jacarezinho.