Governo demite um quadro importante a cada 3 dias
Foto: Marcos Correa / Agência O Globo
Desavenças pessoais, desentendimentos com familiares do presidente Jair Bolsonaro e até mesmo pressões de parlamentares para indicações políticas são os motivos de uma alta rotatividade de funcionários do alto escalão no governo federal. Levantamento feito pelo GLOBO identificou 183 alterações em cargos de primeiro e segundo escalão, uma média de praticamente uma saída a cada três dias nos quase 20 meses de gestão.
Além dos 12 ministros trocados — descartado o caso de Carlos Alberto Decotelli, que foi nomeado como titular da Educação e não tomou posse —, foram considerados no cálculo as alterações de secretários ligados diretamente aos ministros e presidências de estatais e de bancos oficiais.
A última mudança deste nível foi a saída, na semana passada, do coronel da Polícia Militar de São Paulo Homero Cerqueira da presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele atribuiu a queda à “ciumeira” do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O Ministério da Educação lidera o ranking de pasta que mais sofreu alterações, somando 27 mudanças. A pasta iniciou o mandato de Bolsonaro sob o comando de Ricardo Vélez, passou para as mãos de Abraham Weintraub e agora é comandada por Milton Ribeiro. Cada ministro geralmente troca todos os secretários diretamente ligados a ele, o que faz aumentar a rotatividade. Em segundo lugar aparece o Ministério da Cidadania, com 23 mudanças. Onyx Lorenzoni assumiu o posto em fevereiro, no lugar de Osmar Terra. E em terceiro, com 21, a Justiça, que passou das mãos de Sergio Moro para as de André Mendonça em abril deste ano.
Bolsonaro já utilizou de metáfora esportiva para explicar as mudanças constantes: “não se pode colocar um jogador de vôlei para jogar basquete, e vice-versa”. Mas, na prática, as justificativas para as exonerações no governo vão além de meras inabilidades.
Entre as principais baixas deste governo está a “debandada” no Ministério da Economia. Nos últimos dias, o ministro Paulo Guedes assistiu à saída de auxiliares importantes e acumula 14 baixas desde o início da gestão, sendo oito mais recentes. Os pedidos de demissão dos secretários de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, levaram o ministro a anunciar a debandada, numa declaração que irritou o presidente Jair Bolsonaro.
— Salim falou: “A privatização não está andando, prefiro sair”. Uebel disse: “A reforma administrativa não está sendo enviada, prefiro sair”. Esse é o fato, essa é a verdade —, disse Guedes, deixando claro que perdia assessores devido ao “ritmo” de implementação das mudanças que o governo defende.
Há casos também de trocas realizadas, especialmente em ministérios, porque o ocupante do cargo virou alvo das redes bolsonaristas, como ocorreu com Santos Cruz, ex-titular da Secretaria de Governo.
Outro motivo para as alterações no alto escalão da gestão Bolsonaro foi a aproximação com o chamado centrão. Desde o início deste ano, o governo passou a redistribuir cargos em estatais e bancos oficiais para partidos como PP, PL, PSD e PRB. Sob o guarda-chuva do Ministério da Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) passou a ter representantes do PL e do PP. O órgão tem orçamento de R$ 54 bilhões.
O PP também assumiu o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Já a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), com orçamento de R$ 2,3 bilhões, está com o PSD, e a Secretaria de Mobilidade do Desenvolvimento Regional é do Republicanos.
As indicações políticas no governo contrariam as declarações de Bolsonaro enquanto candidato à Presidência, em 2018. Em uma transmissão ao vivo em 27 de outubro de 2018, o então deputado afirmou que não faria indicações pensando em apoio no parlamento e ainda citou a Constituição para dizer que a prática é proibida.
— Então qualquer presidente que porventura distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para apoio dentro do parlamento, ele está infringindo o art. 85 do inciso dois da Constituição. E daí? Qualquer um pode, se eu por exemplo, apresento no ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que eu estou interferindo exercício do Poder Legislativo — disse, à época.
No caso de ministros, a rotatividade não é exclusividade da atual gestão. Nos primeiros 20 meses de mandato, entre 2011 e 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff fez 16 trocas em ministérios. À época, Dilma defendia uma “faxina ética” em sua gestão. Já os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram números mais conservadores no mesmo período. FHC trocou cinco ministros entre 1995 e 1996, incluindo o presidente do Banco Central. Já Lula fez nove alterações entre 2003 a 2004.