Modelo da Lava Jato está no começo do fim

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Foto: Rodolfo Buhrer / Reuters

O futuro da Lava Jato tem capítulo decisivo no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que votaria nesta terça-feira, 18, três processos internos contra o procurador da República Deltan Dallagnol, que podem resultar no seu afastamento da força-tarefa em Curitiba. O risco de punição é visto por procuradores como prenunciou do encerramento do grupo criado em 2014, para os processos do bilionário esquema de corrupção na Petrobrás, e início do desmonte do “modelo Lava Jato” de investigações.

A votação foi suspensa por decisão do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), na noite de ontem, em pedido feito pela defesa de Dallagnol. “A remoção do membro do Ministério Público de suas atribuições, ainda que fundamentada em suposto motivo de relevante interesse público, deve estar amparada em elementos probatórios substanciais, produzidos sob o crivo do devido processo legal.”

Os pedidos são de três alvos da Lava Jato: os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Katia Abreu (PP-TO), que podem resultar na remoção compulsória de Deltan da força-tarefa por “interesse público”, e o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cobra “providências” do CNMP, no caso do famigerado power point, usado em entrevista coletiva à imprensa, em setembro de 2016. Na ocasião, os procuradores apresentaram a primeira denúncia contra o petista – o caso do tríplex do Guarujá, em que foi condenado -, considerado principal beneficiado do esquema.

As duas reclamações disciplinares que podem resultar em afastamento da força-tarefa acusam Dallagnol de “quebra de decoro”, interferência política no Congresso, entre outras supostas infrações, com base em declarações públicas do procurador, em perfis de rede social da internet. Um delas, de autoria de Renan Calheiro, trata da declaração de a escolha do senador para a presidência do Senado seria prejudicial à agenda de combate à corrupção no País. O caso foi distribuído para Otávio Luiz Rodrigues, conselheiro indicado pela Câmara dos Deputados.

O pedido de afastamento compulsório, por meio de pedido formulado no final de 2019 pela senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, acusa infrações como a tentativa de criação de um fundo para recursos recuperados da Petrobrás – que não saiu do papel -, aponta existência de 17 reclamações disciplinares contra ele, no CNMP, e o suposto recebimento irregular por cobrança por palestras. Casos já analisados anteriormente, sem conclusão de ilícitos.

O relator do caso é o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, representante do Senado no CNMP e aliado de Renan Calheiros – ele é secretário-geral da Mesa Diretora do Senado, desde a presidência do senador. O conselho do MP, criado em 2004, tem 14 membros. Três vagas estão em aberto, a espera de indicação do Congresso, portanto, serão 11 votantes. Para aprovação de um afastamento é preciso maioria absoluta.

Desde o último ano, membros da força-tarefa demonstram preocupações com as escolhas de membros do CNMP, em especial, com o risco de interferência política e manobras de investigados na escolha.

Deltan já foi alvo de 50 reclamações disciplinares na Corregedoria por supostas “faltas disciplinares”, metade apresentada por investigados e réus da Lava Jato e a maioria das restantes, por aliados e correligionários. Duas viraram processo disciplinar. Em uma delas, por ter criticado decisões de ministros do STF, chamadas por ele de “lenientes”, recebeu pena de “advertência”. Ele recorreu e pediu reversão da penalidade na Côrte.

O cenário agora é outro, avaliam integrantes das três forças-tarefas. A decisão de expulsão de Dallagnol da Lava Jato seria inédita no CNMP. Na avaliação dos procuradores, a nomeação pelo presidente, Jair Bolsonaro, de um procurador-geral da República fora da liturgia histórica que imperou no Ministério Público derrubou a última trincheira de defesa, que blindava as investigações e mantinha preservado o núcleo operacional e técnico do grupo, aos sucessivos ataques sofridos. Uma contraofensiva natural dos investigados e do sistema político e econômico.

A possibilidade de punição à Dallagnol, no CNMP, representa mais do que uma derrota pessoal ao colega, na avaliação de procuradores ouvidos. Seria um indicativo de fim das forças-tarefas em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. O quartel-general da força-tarefa da Lava Jato,em Curitiba, onde os 14 procuradores se reuniam diariamente, no centro de Curitiba, está vazio, com a pandemia. Encontros, só virtuais.

Uma eventual punição de afastamento, na prática, tira Dallagnol da equipe, que trabalha com exclusividade – a maioria deles – desde 2014, nos processos do caso Petrobrás, mas não encerra a força-tarefa. Em sete anos, a Lava Jato recuperou bilhões de recursos desviados, processou centenas de políticos, empresários, operadores financeiros, em mais de 100 ações penais. Gerou também “filhotes”, há pelo menos três forças-tarefas atualmente ativas, e criou uma espécie de “modelo de investigação” – atribuída à sinergia operacional do grupo que uniu MPF, Polícia Federal e Receita Federal e à efetividade de resultados.

Estadão