Morte de miliciano bolsonarista tem 4 frentes de investigação

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Foto: Reprodução/ Estadão

A morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega completou seis meses no domingo, 9, mas os crimes atribuídos a capitão Adriano ainda seguem no radar da polícia e do Ministério Público. Ao menos quatro frentes de investigação ainda podem atingir amigos, aliados e familiares de Nóbrega.

Acusado de ter sido um dos milicianos mais poderosos, influentes e perigosos do Rio, ele era suspeito em homicídios, extorsão, agressão e lavagem de dinheiro. Mas a investigação mais sensível é a que apura um suposto esquema de “rachadinha” (apropriação do salário de assessores) e nomeações de funcionários fantasmas no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) entre 2007 a 2018. O principal operador do esquema seria Fabrício Queiroz, ex-braço-direito do senador, amigo do miliciano morto.

Neste especial, o Estadão mostra o que as investigações contra o miliciano já descobriram, reconstrói os últimos meses de foragido de capitão Adriano em oito Estados e aponta quais as ligações entre o criminoso e a família Bolsonaro.

Ficha: Capitão Adriano

●Nome: Adriano Magalhães da Nóbrega
●Idade: 43 anos (1977-2020)
●Profissão: ex-policial militar, ex-membro do Bope
●Acusações: homicídio, extorsão, organização criminosa, lavagem de dinheiro
●Elos: Empregou mãe e ex-mulher por 11 anos na Alerj, no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (atual senador); ligado a contraventores do jogo do bicho do Rio; um dos líderes da milícia que domina Rio das Pedras; foi um dos cabeças do Escritório do Crime

QUATRO FRENTES DE APURAÇÃO TÊM CRIMES LIGADOS A ADRIANO DA NÓBREGA NA MIRA; A MAIS SENSÍVEL E ATUAL É A DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO, QUE INVESTIGA ENVOLVIMENTO COM ‘RACHADINHA’ NO GABINETE DE FLÁVIO BOLSONARO, NA ALERJ

Nascido em 1977, capitão Adriano cresceu em uma área do Rio de Janeiro dominada pela disputa fratricida dos herdeiros do bicheiro Waldomiro Garcia, o Miro. Entrou para a Polícia Militar em 1998 e logo virou do grupo de elite, o Batalhão de Operações Especiais (Bope). Graduado como atirador de elite (sniper) em 2001, virou também aliado e segurança dos contraventores.

Em 15 de maio de 2003, quando era 1.º tenente no 18.º Batalhão, em Jacarepaguá, matou o estudante Anderson Rosa de Souza, de 29 anos, durante uma abordagem na Cidade de Deus. Ele estava acompanhado do policial Fabrício José Carlos Queiroz. Ambos dizem que o jovem reagiu. O inquérito na Polícia Civil nunca foi encerrado e, em julho deste ano, o Ministério Público cobrou que ele seja concluído.

Em 27 de novembro de 2003, Nóbrega se envolveu em outro assassinato. A equipe que ele comandava no 16.º Batalhão, em Olaria, conhecida como “guarnição do mal” por ser formada por policiais linha dura, matou o flanelinha Leandro dos Santos da Silva, em Parada de Lucas. O homicídio teria sido retaliação à acusação que a vítima fizera um dia antes de que homens do Grupamento de Ações Táticas (GAT), do qual Nóbrega fazia parte, realizavam ações de extorsão, tortura e sequestros na região.

O disparo foi dado pelo policial Italo Pereira Campos, o Ítalo Ciba — vereador do Rio que revelou que Flávio Bolsonaro visitou Adriano na prisão. Em janeiro de 2004, Adriano foi preso preventivamente, com outros policiais da equipe, e, em 24 de outubro de 2005, foi condenado em primeira instância pelo Tribunal do Júri. Ficou detido no Batalhão Especial Prisional (Bep) — a prisão dos policiais militares — até 2006, quando foi solto, após o Tribunal de Justiça anular sentença de primeira instância e determinar novo julgamento. Em 2007, ele foi absolvido.

O capitão da PM foi preso novamente em 2011, numa operação contra o jogo do bicho, acusado de tentar matar um ex-aliado de Miro. O crime estaria ligado com a disputa entre herdeiros do bicheiro pelo controle de pontos do jogo do bicho e, em especial, de exploração de máquinas caça-nível.

Nóbrega continuou atuando como segurança da família de um dos filhos de Miro, Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, e seu cunhado José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal. Pelo menos seis assassinatos, entre 2005 e 2010, são atribuídos a capitão Adriano e seus amigos policiais, a mando dos contraventores. Ambos foram assassinados.

A ligação com contraventores e as prisões resultaram na expulsão de Adriano da PM em 2014.

Após a expulsão da PM, capitão Adriano virou miliciano, ocupando papel importante no novo comando do grupo que controla Rio das Pedras, comunidade com mais de 63 mil moradores, segundo o Censo de 2010. O ex-PM e seu grupo assumiram o local, aproveitando prisões e mortes dos antigos líderes.

Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio, a milícia fazia “grilagem, construção, venda e locação ilegais de imóveis; receptação de carga roubada; posse e porte ilegal de arma; extorsão de moradores e comerciantes, mediante cobrança de taxas referentes a ‘serviços’ prestados; pagamento de propina a agentes públicos; e agiotagem”.

Isso levou capitão Adriano e outros policiais e ex-policiais a serem alvos das operações Intocáveis I e II, em janeiro de 2019 e fevereiro de 2020. Nóbrega fugiu em 22 de janeiro de 2019. Cinquenta e oito milicianos tiveram prisão decretada.

O Escritório do Crime é um grupo especializado em mortes por encomenda que cobrava até R$ 1,5 milhão por homicídio, segundo as investigações. Capitão Adriano é apontado como um dos seus fundadores. Teria sido o mandante da morte do contraventor Marcelo Diotti da Mata em 14 de março de 2018, mesma noite em que a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram executados.

A Polícia Civil prendeu dois supostos líderes atuais do Escritório do Crime, ligados a Adriano: Leonardo Gouveia da Silva, o Mad, e seu irmão, Leandro Gouveia da Silva, o Tonhão. Mad teria sido o executor do assassinato.

Adriano da Nóbrega empregou a mãe, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-mulher, Danielle Mendonça da Nóbrega, por 11 anos na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), contratadas como assessoras no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro — filho mais velho do presidente, Jair Bolsonaro, e senador da República. O Grupo de Atuação Especializada de Combate à Corrupção (Gaecc) do Ministério Público do Rio considera que Flávio Bolsonaro era o líder de uma organização criminosa que atuava em seu gabinete na Alerj — ele foi deputado estadual de 2003 a 2018 —, tendo Fabrício Queiroz como principal operador financeiro do esquema de arrecadação de parte dos salários dos assessores (rachadinha).

Raimunda e Danielle receberam R$ 1 milhão em salários da Alerj e devolveram pelo menos R$ 202 mil, por meio de transferências para a conta de Queiroz, e outros R$ 200 mil ainda não identificados. Os promotores tentaram localizar a mãe de Adriano, em 2018 e 2019, mas não a localizaram para entregar a intimação para o depoimento. As apurações mostraram que Raimunda esteve em Minas Gerais e que recebia orientações jurídicas de outros investigados, em especial, Queiroz e um advogado de Flávio Bolsonaro, Luiz Gustavo Botto Maia.

Promotores do Gaecc acreditam que Queiroz e capitão Adriano, que serviram juntos na PM, agiram, desde o início das investigações, para atrapalhar o Ministério Público e a Justiça, pedindo, por exemplo, para testemunhas não prestarem depoimento. Eles teriam a orientação de superiores hierárquicos e advogados, segundo o MP.

Em fevereiro de 2020, na semana em que Nóbrega morreu na Bahia, seu advogado, Paulo Emilio Catta Preta, entregou à Justiça do Rio a defesa do processo da Operação Intocáveis. Os defensores pediram a “absolvição” do cliente, negaram todas as acusações do Ministério Público, apontaram falta de provas e ilegalidades e cerceamento de direitos, nas investigações e no processo. O documento critica ainda o que classificou de “expediente covarde”, da acusação, de buscar “assassinar reputação” do ex-policial, por meio de “pré-fabricação de elementos artificiais de condenação por meio da publicação de notícias falsas”.

Capitão Adriano considerava sua expulsão da PM, em 2014, injusta e tinha entrado com processo, contra a demissão. Ex-policial da elite, rechaçou todas as acusações que o vinculavam aos crimes narrados e com a suposta “milícia de Rio de Pedras”. Dos crimes imputados durante o período como policial, foi julgado e inocentado pelo Tribunal de Justiça, não tendo qualquer pena confirmada até o dia de sua morte. Nóbrega “rechaça absolutamente que pertença à organização criminosa descrita como a milícia de Rio das Pedras”, registra a defesa.

Estadão