No Rio, Crivella negocia vacina em testes iniciais
Foto: Reprodução/ Época
Enquanto o mundo todo aguarda o anúncio de uma vacina que previna a infecção pelo novo coronavírus, o próximo avanço pode vir de uma classe de medicamentos biotecnológicos chamados anticorpos monoclonais – um tipo de terapia já usada no tratamento de alguns tipos de câncer e com grande potencial para ser usada no combate à Covid-19.
Há alguns anticorpos monoclonais que estão sendo projetados especificamente para atacar o SARS-CoV-2 e impedir que o vírus consiga se reproduzir no organismo do paciente. A expectativa dos cientistas é que esses medicamentos possam alterar o curso da doença que já matou mais de 777 mil pessoas no mundo, 110 mil delas só no Brasil.
Nesta terça-feira, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), anunciou a assinatura de um acordo com a farmacêutica americana Sorrento Therapeutics, com sede em São Diego, para testar um coquetel de anticorpos monoclonais no país. Mas para que isso aconteça, ele ainda precisa do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que informou a ÉPOCA que por enquanto não existe nenhuma solicitação para a realização de testes clínicos dessa medicação no Brasil.
Em maio, a Sorrento Therapeutics anunciou que o anticorpo STI-1499 (Covi-Guard) conseguiu bloquear 100% a infecção pelo coronavírus em um experimento in vitro (feito em laboratório). Na época, suas ações subiram 158% na bolsa eletrônica de Nasdaq, em Nova York. Segundo a empresa, esse anticorpo se liga a proteína espícula do coronavírus (como se fosse uma coroa em volta do vírus) e impede que o vírus entre na célula, consiga se replicar e espalhar a infecção.
Por enquanto, a Sorrento conseguiu aprovação do governo americano para iniciar agora em agosto a fase 1 do estudo clínico desse único anticorpo (o Covi-Guard) e não de um coquetel de anticorpos (que recebeu o nome de Covi-Shield), conforme anunciado pelo prefeito Crivella. A fase 1 do estudo clínico tem como objetivo avaliar a toxicidade e a segurança do medicamento. Para que ele seja aprovado, ainda é preciso passar por estudos clínicos de fases 2 e 3. No site da Sorrento, o coquetel Covi-Shield aparece em fase pré-clínica, sem resultados publicados e ainda não há registro no ClinicalTrials para realização de testes em humanos.
Por e-mail, a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro informou que “os ensaios clínicos do coquetel não terão custos para a prefeitura e que eles já estão acontecendo em outros países com uma boa perspectiva de resultado no tratamento de pacientes com Covid”. Mas a Sorrento sequer registrou nos Estados Unidos o estudo clínico do coquetel de anticorpos.
Por enquanto, o teste do anticorpo Covi-Guard está na fase de recrutar pacientes. De acordo com o registro, será feito um estudo duplo cego feito em 34 pessoas e, entre os critérios para participar do estudo, é preciso ter diagnóstico confirmado de coronavírus pelo exame RT-PCR (o exame molecular) ou teste equivalente, ter infecção pulmonar bilateral confirmada por imagem; estar hospitalizado e com saturação de oxigênio menor que 93%. Também é preciso que um familiar ou responsável autorize e assine um termo de consentimento.
“A vantagem de um anticorpo é que ele é basicamente imunidade instantânea”, disse Mark Brunswick, vice-presidente sênior da Sorrento Therapeutics em entrevista à agência de notícias Reuters. A empresa diz que pode produzir até 200 mil doses por mês e planeja produzir até 1 milhão de doses, assim que for liberado pela FDA, a agência que regulamenta fármacos e alimentos nos Estados Unidos.
Segundo a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, os anticorpos monoclonais são sintetizados em laboratório a partir de um único anticorpo neutralizante, potente e com capacidade de impedir que o vírus se ligue ao receptor celular e entre na célula. A sua forma de agir é diferente das vacinas, que provocam uma resposta imune no organismo das pessoas. “A vacina você usa como prevenção, o anticorpo monoclonal é um tratamento, usado na pessoa que está doente e hospitalizada”, explicou.
Natália afirma que as terapias com anticorpos monoclonais são promissoras para essa doença, mas reforça que, mesmo em ritmo acelerado, todo medicamento precisa passar por estudos clínicos de fase 1, 2 e 3 antes de serem aprovados. No caso do estudo clinico do anticorpo Covi-Guard nos Estados Unidos, a previsão de conclusão da fase 1 é apenas em janeiro de 2021. “Todos os estudos requerem um tempo para análise dos resultados, que normalmente levam anos para serem concluídos. Antes do meio do ano que vem provavelmente não teremos nada ainda”, avalia.
Há outros estudos com anticorpos monoclonais sendo realizados no mundo em busca de um tratamento eficaz. “Como estratégia, ele é muito promissor. Mas como medicamento, precisa respeitar as fases de testes.”
Para Natália, não há nenhum motivo técnico que justifique a realização de pesquisa clínica em fase 1 no Brasil. “Do ponto de vista internacional, a vantagem de testar vacinas aqui no País é muito clara porque temos o vírus circulando e os voluntários precisam ser expostos a ele. Mas o anticorpo precisa ser testado em paciente hospitalizado e isso temos em qualquer lugar do mundo”, afirmou.
A prefeitura do Rio não informou para qual fase do estudo clínico foi fechado o acordo com a empresa para a realização dos testes na cidade. Informou ainda que é preciso aguardar a liberação da Anvisa e do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e que, após a aprovação, os voluntários serão pacientes diagnosticados com a doença e que ainda não há um número de pessoas definido.