Pastor receberá R$ 77 mil da Funai para ensinar “antropologia”
Foto: Mário Vilela/Funai
No momento em que as entidades indígenas cobram mais ações do governo no combate à Covid-19 nas aldeias, inclusive com a aplicação de mais recursos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) abriu um processo interno para ministrar um curso de Pós-Graduação em Antropologia que vai custar R$ 236 mil aos cofres do órgão. O valor, segundo especialistas, seria suficiente para construir uma nova base de proteção aos índios isolados do Acre, que vivem drama após contato revelado pelo GLOBO e podem ser dizimados caso tenham se contaminado.
Com objetivo de “formar servidores públicos que queiram se especializar nesta área do conhecimento humano”, a Funai escalou o chefe para índios isolados e de recente contato, missionário Ricardo Lopes Dias, para coordenar o curso e dar aulas. O GLOBO teve acesso ao planejamento do curso e à tabela de valores a serem pagos aos professores e coordenadores. Pelo trabalho, além do salário que já recebe pela função que exerce, Ricardo vai embolsar R$ 77,7 mil.
Ricardo, que é antropólogo, chegou a ter a sua nomeação suspensa pelo Justiça Federal, mas o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, concedeu liminar para que ele siga no cargo. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão. O MPF questiona o fato de Ricardo ser ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), movimento missionário que atua nas aldeias desde os anos 1960, o que cria um conflito de interesses com o cargo que ocupa.
Além de Ricardo, o “especialista” em Antropologia Cláudio Eduardo Badaró será um dos coordenadores e professores do curso denominado Curso de Pós-Graduação Lato Sensu: Cultura, Sociedade e Contemporaneidade. Ele vai receber um pouco menos que o colega: R$ 72,7 mil.
Ligado aos ruralistas e apontado como braço de direito do presidente da Funai, Marcelo Xavier, Badaró já foi centro de uma polêmica dentro do órgão depois que o MPF pediu a anulação de sua nomeação para o setor de Acompanhamento a Estudos e Pesquisa justamente por ele não possuir formação (curso de graduação ou pós-graduação) na área de Antropologia ou Ciências Sociais.
O MPF diz ainda que Badaró já atuou em processos que buscavam demarcar terras indígenas em Mato Grosso e, por isso, exerceu atividade “para parte oposta aos objetivos fundiários dos índios”.
A Funai ainda prevê gastos de R$ 37, 5 mil com bancas de professores, de R$ 12 mil com orientadores temáticos e outros R$ 6,5 mil com professores palestrantes. Com hospedagem, translado e alimentação de professores convidados fora de Brasília serão destinados R$ 3, 6 mil.
A carga horária do curso é de 480 horas e ele tem previsão para começar na primeira semana de outubro e terminar em agosto de 2021, após cinco módulos bimestrais e aprentação de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Na justificativa do curso, a Funai afirma que o curso atende às diretrizes do Ministério da Educação e “pretende abarcar as demandas do processo formativo de agentes públicos, solidificando e diversificando o conhecimento destes tendo em vista melhoramentos e instrumentalidades nas relações e entregas de seus produtos aos membros da sociedade em geral”.
Procurada, a Funai ainda não se manifestou. A mulher do pastor Ricardo, Maria Arlete Dias, atendeu o seu telefone, mas disse que ele estava no trabalho.