Servidores protestam contra veto a manifestações nas redes
Foto: CGU / Divulgação
A Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) apresentou ao Supremo Tribunal Federal contra nota técnica elaborada pela Controladoria-Geral da União (CGU) que defende, entre outros pontos, a punição de servidores que criticarem o governo nas redes sociais. O caso está sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.
O documento foi elaborado no início de julho visa unificar o entendimento do órgão sobre a legislação que prevê condutas puníveis a agentes públicos.
Segundo a CGU, se mensagens divulgadas por servidor público produzirem ‘repercussão negativa à imagem e credibilidade’ da instituição que trabalha, o funcionário do governo pode ser enquadrado por descumprimento do dever de lealdade.
“As previsões do ato veiculado pela CGU geram efeitos nefastos e podem atingir até mesmo um caráter persecutório no âmbito do serviço público, o que supostamente já ocorre naturalmente em alguns casos isolados”, afirmou a Conacate.
A Confederação aponta que a nota técnica e seus efeitos violam a liberdade de expressão dos servidores públicos, impedindo-os de se manifestarem nas redes sociais sobre opiniões críticas a atos e decisões do governo.
Segundo a Conacate, o texto elaborado pela CGU é genérico e subjetivo, ‘o que o torna ainda mais intimidador, abrindo um leque de possibilidades que pode atingir diversos servidores públicos que sequer possuem a intenção de difamar o seu local de trabalho’.
A nota técnica da CGU destaca que ‘uma simples opinião’ de um servidor público nas redes sociais pode, a depender do seu conteúdo, ‘desqualificar um órgão, gerar graves conflitos ou, em situações extremas, dar azo a uma crise inconstitucional’.
Após a revelação da nota pela imprensa, a CGU afirmou que as determinações prevista no texto são resultado de trabalho ‘estritamente técnico’ com base em manuais, recomendação da Defensoria Pública da União, provimento do Conselho Nacional de Justiça e um decreto sobre o código de ética do funcionalismo público.
“É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável”, afirmou. “Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições”.
COM A PALAVRA, A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
Em relação à Nota Técnica nº 1.556/2020, a Controladoria-Geral da União (CGU) esclarece que o documento é fruto de um trabalho estritamente técnico da Corregedoria-Geral da União, órgão integrante da estrutura da Controladoria-Geral da União, e tem por base estudos doutrinários, manuais técnicos, legislação em vigor e orientações semelhantes de diversos órgãos públicos.
Dentre essas orientações, cite-se:
Recomendação nº 14, da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União
Provimento nº 71, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça
Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal)
O trabalho da CGU ocorreu em razão de mudanças nas condições de trabalho recentes e dos avanços tecnológicos que vinham demandando análise sobre o alcance de alguns dispositivos da Lei nº 8.112/1990, que, se encontram, até certo ponto, superados pela evolução natural da sociedade e dos meios de comunicação. Um exemplo é o conceito de “recinto da repartição” contido no artigo 117, V, da Lei nº 8.112/1990, que veda ao servidor a realização de ato de apreço ou desapreço no “recinto da repartição”. No momento, em que grande parte dos servidores estão trabalhando à distância, fora do conceito geográfico de “recinto da repartição”, uma interpretação estrita desse dispositivo poderia terminar por dar margem a situações de franca impunidade.
Acrescente-se que essa era uma demanda já apresentada por vários órgãos de corregedoria.
É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável.
Além disso, as orientações contidas na Nota Técnica questionada não se referem a eventual tratamento que deva ser dado a opiniões políticas ou sobre o governo por parte de algum agente público. O foco da Nota Técnica são questões interna corporis, relacionadas ao respeito e ao decoro que todos devem ter com questões que sempre possuem embasamento técnico.
Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
Quando assume um cargo ou emprego público, o agente se propõe a ser leal com a instituição a que serve. Não tem sentido ele assumir legalmente esse compromisso e, ao mesmo tempo, adotar ações que maculem a sua instituição. Eventuais críticas ou sugestões de melhoria de processos e fluxos podem – e devem – ser feitas, inclusive, nos canais oficiais.
A edição da Nota Técnica mencionada quis, apenas, deixar claro a interpretação dos artigos 116, II (ser leal às instituições a que servir), e art. 117, V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição), ambos da Lei nº 8.112/1990, para demonstrar que tais regras podem alcançar aquelas condutas de agentes públicos, realizadas em redes sociais, que tenham o objetivo de veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
É importante observar ainda que o posicionamento contido na Nota é semelhante ao que vigora na própria iniciativa privada, com amparo em julgados do Tribunal Superior do Trabalho. A título de exemplo, observe nada impede que um empregado de algum veículo de comunicação possa externar posicionamento divergente do seu empregador de maneira respeitosa e decorosa. Críticas agressivas, contudo, obviamente, podem vir a ser objeto de questionamentos.
Cite-se jurisprudência sobre o assunto (AIRR 1649-53-2012.5.03.0007, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues):
“A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo de instrumento de uma operadora de caixa que pretendia reverter sua demissão por justa causa aplicada pela █████████████ em razão de ofensas postadas pela empregada no Facebook contra a própria empresa e os clientes”1 (Grifo nosso).