TSE aumentará em 50% recursos para negros

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Foto: Jorge William / Agência O Globo

Se já estivesse em vigor nas eleições de 2018, a distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral para candidaturas negras — em análise no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — teria ampliado em 50% os recursos públicos destinados, no pleito passado, a essas campanhas para o cargo de deputado federal. O valor saltaria de R$ 357,9 milhões para R$ 535,2 milhões.

Embora candidatos negros tenham representado 42% dos 8,5 mil nomes na disputa para o posto de deputado federal, receberam 28% dos recursos do fundo. Em média, candidatos brancos totalizaram o dobro do investimento distribuído pelos partidos — R$ 184,8 mil contra R$ 99,7 mil.

Se a proporcionalidade já vigorasse em 2018, o investimento em candidatos negros teria crescido em 25 estados do país, inclusive nos maiores colégios eleitorais (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro), e em 27 legendas — entre elas partidos tradicionais como MDB, PP, PT e PSDB —, nos quais o valor do fundo eleitoral destinado pelas siglas não acompanhou a exata proporção de candidatos negros.

Os dados foram levantados a pedido do GLOBO pelo sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Luiz Augusto Campos, com base nas estatísticas divulgadas pela justiça eleitoral.

O TSE avalia uma consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que questionou se uma parcela dos incentivos a candidaturas de mulheres, que estão previstos na legislação, poderia ser aplicada para candidatos negros, bem como se é possível haver uma cota no fundo eleitoral e no tempo destinado à propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

Relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu no mês passado que, em vez de ser adotada uma cota de 30%, como nas candidaturas femininas, os recursos públicos dos fundos partidário e eleitoral, bem como o tempo de rádio e TV, devem ser destinados a candidatos negros na exata proporção das candidaturas apresentadas pelos partidos. O ministro Edson Fachin acompanhou o relator e o julgamento, sem data para continuar, foi adiado após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Luiz Augusto Campos aponta que existe déficit entre a proporção de candidaturas negras e o percentual desse grupo na população, que é de 56%, mas não é tão grande quanto a disparidade no acesso a recursos de campanha:

— O principal gargalo é o acesso a recursos. No Brasil, a correlação entre dinheiro e voto é quase perfeita. Quanto mais dinheiro você tem mais votos você tende a ter. Outro ponto é que os candidatos negros tendem a gastar menos os recursos que recebem. Isso se dá porque gastar recursos de campanha não é fácil. Não basta ter acesso só a dinheiro, você precisa ter acesso a um bom advogado e contador. Campanhas bem sucedidas têm acesso ao espaço que o partido fornece.

Nos estados, a diferença em 2018 no acesso a recursos foi ainda maior em Goiás, onde o montante médio destinado a candidatos brancos chegou a ser 4,4 vezes maior e os candidatos negros ficaram com apenas 14% dos recursos do fundo, apesar de representarem 40% das candidaturas. Em Pernambuco, Tocantins, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, o financiamento médio para candidatos brancos foi três vezes maior.

Maior estado do país, São Paulo também apresentou alta desigualdade no acesso ao fundo. As candidaturas negras somaram 27% dos nomes em disputa ao cargo, mas receberam apenas 15% dos recursos do fundo. Em média, o repasse para candidatos brancos foi duas vezes maior.

Entre as legendas, os repasses para candidaturas negras variaram de acordo com o estado. Proporcionalmente, foram maiores nas regiões Norte e Nordeste, o que ajudou a inflar os percentuais nacionais de investimento, e ficaram mais escassos no Sul e Sudeste, onde há mais vagas.

Campos aponta que, principalmente no Norte e Nordeste, há muitos casos em que os candidatos são declarados pardos pelos partidos. Outro fator que interfere são os puxadores de votos.

— Um dos exemplos em que candidatos negros recebem mais que candidatos brancos é o PSL do Rio, porque o partido no estado concentrou boa parte dos recursos no então candidato a deputado Hélio Lopes (PSL-RJ), que foi o segundo candidato a receber mais recursos. Isso mostra que a média maior de negros recebendo recursos às vezes esconde, na verdade, o fato de que você tem um grande puxador de voto que recebeu mais recursos — diz o pesquisador.

No PMN, houve a maior diferença entre a participação de candidatos negros e o que efetivamente receberam do fundo eleitoral. Eles foram 50% dos que disputaram o pleito, mas ficaram com 20% do dinheiro público. Entre as legendas que receberam os maiores valores do fundo eleitoral, todas registraram disparidade.

No MDB, os candidatos negros ficaram com 18% dos recursos, mas foram 26% dos nomes lançados pelo partido. Em oito siglas, PSOL, PPL (incorporado ao PCdoB), PCB, PTC, Rede, PSC, PHS (incorporado ao Podemos) e DC, o investimento nacional ultrapassou a proporção de negros candidatos, mas mesmo nessas legendas houve descompasso em alguns estados. Já o Novo abriu mão dos recursos do fundo eleitoral.

Nos partidos, há avaliação de que o tema deveria passar pelo Congresso e não ser definido pelo TSE. Já há projeto de lei que trata do tema em tramitação desde 2013, e que está pronto para votação no plenário da Câmara. No TSE, há o entendimento de que uma nova regra sobre o tema poderia valer já para o pleito de 2020, a depender da data de votação, caso seja definida antes de as legendas repassarem os valores do fundo eleitoral. Isso porque em casos de consultas à Corte não se aplica o princípio da anualidade, ou seja, as mudanças não precisam entrar em vigor um ano antes da eleição.

Para pressionar pela votação, organizações como Instituto Marielle Franco, Educafro, Coalizão Negra por Direitos e Mulheres Negras Decidem lançaram a campanha “eleições antirracistas”. Mais de 9 mil e-mails já foram enviados aos ministros do TSE.

A deputada Benedita da Silva avalia que uma nova regra sobre o tema não seria “milagrosa”, mas ajudaria a reduzir as desigualdades.

— Na medida em que você passa a ter uma obrigatoriedade para a participação do fundo eleitoral, você deixa de ter um motivo para inviabilizar essas candidaturas. A distribuição dos recursos deve contemplá-las para se alcançar representatividade. É uma garantia constitucional — afirmou.

Entre os três senadores eleitos que se declararam pretos na disputa de 2018, Mecias de Jesus (Republicanos-RR) discorda:

— De nada adianta tentar resolver esses problemas por decreto e, sim, através da inserção social de quem deseja entrar para a política. Outros possíveis caminhos podem ser buscados com a filiação, a militância partidária e a busca por projeção social, em que as qualidades dos pretensos candidatos são enaltecidas.

O Globo