60 funcionários da VW durante ditadura vão atrás de reparação
Foto: ADONIS GUERRA / Divulgação/Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Um grupo de 60 ex-funcionários da Volkswagen tentará receber parte dos R$ 15,5 milhões que a montadora aceitou pagar como indenização em virtude de sua colaboração com a ditadura militar (1964-1985). Em alguns casos, o empregado já morreu e seus familiares o representam na associação que será beneficiária do dinheiro destinado pela montadora.
O valor a ser recebido por cada funcionário ou familiar vai variar de acordo com o tipo de perseguição sofrida. A quantia máxima individual deve ficar em R$ 800 mil e será destinada para os que chegaram a ser presos e torturados dentro da fábrica em São Bernardo do Campo. Quatro ex-empregados viveram essa experiência. Todos já morreram.
Na quarta-feira, a Volkswagen do Brasil e os Ministérios Públicos Federal (MPF), do Trabalho (MPT) e do Estado de São Paulo (MPE) anunciaram que fecharam um termo de ajustamento de conduta (TAC) em que a montadora aceitou destinar R$ 36,3 milhões a ex-funcionários da empresa e a iniciativas de promoção de direitos humanos.
Dessa quantia, R$ 16,8 milhões irão para a Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da montadora. As indenizações vão consumir R$ 15,5 milhões e o restante servirá para cobrir os impostos. Plagge, morto em 2018, era um dos funcionários que, segundo investigações, foi preso pelas forças de repressão dentro da fábrica.
A decisão sobre o pagamento ou não da indenização caberá a um árbitro independente ainda a ser escolhido. Ele vai analisar a documentação apresentada por cada ex-funcionário ou familiar. O Ministério Público do Trabalho vai supervisionar. Segundo Tarcisio Tadeu Garcia Pereira, presidente da associação, esse árbitro será possivelmente um desembargador ou um especialista em direitos humanos.
Na quinta-feira, a maior parte dos integrantes da associação se reuniu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo para a assinatura simbólica do termo de ajustamento de conduta. A expectativa de Pereira é que as indenizações individuais comecem a ser pagas em fevereiro do ano que vem.
A associação de funcionários foi criada em 2018, depois que a Volkswagen realizou um evento em que reconheceu, com base no trabalho do historiador alemão Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, que setores da montadora colaboraram com a repressão política da época. Porém, a posição adotada pela empresa era que a cooperação não era institucionalizada e e, por isso, não deveria haver pagamento de reparação aos seus ex-funcionários.
O TAC firmado agora prevê ainda que a Volks pague R$ 10,5 milhões para projetos que resgatem a memória das violações aos direitos humanos na época da ditadura. Dessa quantia, R$ 6 milhões irão para a conclusão do Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP). A empresa também vai repassar R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos, que destina dinheiro para entidades dedicadas ao bem comum.
O acordo foi firmado com o objetivo de encerrar inquéritos que tramitavam nos Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho sobre a colaboração da montadora com a ditadura.
As investigações tiveram participação do Instituto Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), ligado a centrais sindicais, que critica o TAC firmado. Sebastião Lopes de Oliveira Neto, coordenador do IIEP, lamenta o fato de parte da quantia da indenização não ter sido usada para bancar a implantação de um memorial dos trabalhadores na Galeria Preste Maia, no centro de São Paulo, como chegou a ser discutido com o Ministério Público Federal.
— O memorial dos advogados tem importância, mas é a luta deles. Sem memorial, a resistência dos trabalhadores à ditadura vai permanecer invisível.
Neto ainda discorda da destinação de recursos para os fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos.
— É um dinheiro que ninguém sabe como é usado.
Por fim, o coordenador do IIEP afirma que o acordo livrou a Volkswagen de indenizar os funcionários perseguidos durante a greve de 1980.
— A Volks sempre colocou que a sua atuação ocorreu até 1979 porque senão seriam mais 500 trabalhadores demitidos depois da greve de 1980 para serem indenizados. Eles foram incluídos em uma lista e não eram mais contratados por outras empresa.
Tarcisio Tadeu Garcia Pereira rebate as críticas de Neto.
— Eles confundem o que é perseguição política com o que é movimento sindical e trabalhista. Não houve monitoramento político e ideológico dessas pessoas. Não tiveram o nome incluído nos órgãos de repressão.
Para o presidente da associação que representa os ex-funcionários da Volks, o TAC deve ser celebrado.
— É um acordo altamente vitorioso porque é o primeiro precedente que temos na histórica de uma empresa responder 45 anos depois por crimes praticados, em parceria com a ditadura, contra os seus funcionários. Quem não conseguir entender isso dentro do governo Bolsonaro está olhando para o próprio o umbigo.