Apoiadores de Crivella atuam na Saúde, Educação e até em feiras
Foto: Brenno Carvalho
Durante um encontro de mães, em frente à Escola municipal Eurico Dutra, no IAPI da Penha, no último sábado de agosto, um tema dominou a conversa: os problemas relacionados à distribuição de cestas básicas e cartões alimentação para alunos da rede. Na semana seguinte, o assunto era outro: a descoberta de que uma ex-participante do grupo de troca de mensagens por celular não tinha filhos no colégio e era, na verdade, “guardiões do Crivella”. O alvo dos comentários era Daniela Rocha Pinto de Jesus, que ganha R$ 6,6 mil brutos da prefeitura e teria se infiltrado entre os responsáveis pelos estudantes, dos quais se desligou tempos depois alegando falta de tempo. Levantamento do GLOBO revela que ela é uma das 59 pessoas entre as 67 lotadas no gabinete do prefeito Marcelo Crivella que não são servidoras públicas. Lá, 88% dos funcionários são “extra quadros”.
Legalmente, o prefeito pode transferir cargos comissionados de outros órgãos para seu gabinete. Como a maior parte dos “guardiões” são comissionados e trabalham em várias áreas do município, é difícil estimar quanto custam aos cofres públicos. No gabinete de Crivella — que reúne alguns integrantes do grupo —, os funcionários que não prestaram concurso representam uma despesa bruta por mês de R$ 380.597,48 ou R$ 5,1 milhões anuais. Os dados são do gabinete da vereadora Teresa Bergher (Cidadania).
Os “Guardiões do Crivella” são uma tropa de choque arregimentada para ir até a porta dos hospitais públicos impedir reportagens e críticas ao serviço prestado. É o caso, por exemplo, de Marcos Paulo de Oliveira Luciano, o ML (salário de R$ 18.513,78 brutos), assessor especial do prefeito, e de Margarett Rose Nunes Leite Leal, chefe de gabinete de Crivella (R$ 24 mil).
Denunciados na semana passada em reportagem da TV Globo, os integrantes não estão só no grupo de WhatsApp “Guardiões do Crivella”, mas também em outros dois, o “Assessoria Especial GBP” e o “Plantão”. Denúncias mostram que essas pessoas estão em escolas e em feiras da cidade, agindo como cabos eleitorais e arrecadadores de dinheiro.
— A Daniela, uma das guardiãs do Crivella, estava no nosso primeiro grupo (de mães). Até fiquei desconfiada dela. Entrou no grupo falando que trabalhava na área da saúde e, depois, saiu dizendo que estava sem tempo. Fomos enganados. A gente só queria que nossos filhos recebessem o que têm direito — diz Andreia Cardoso, que fundou o grupo “Supermães” e tem dois filhos, um deles especial. — Em junho, o feijão da minha cesta estava estragado e ainda não consegui trocar. Tem mãe que está recebendo o novo cartão sem crédito, e outras com R$ 50 e não R$ 54 como deve ser.
No eclético “Guardiões” — com cerca de 250 pessoas, incluindo Crivella, secretários e presidentes de empresas municipais, pastores e missionários — está também um funcionário apelidado de “guardião rei” por colegas do Instituto Pereira Passos (IPP) devido ao salário estratosférico. Além dos comissionados, há servidores públicos da prefeitura e até um estadual, que acumula cargos irregularmente.
— O prefeito Crivella criou uma milícia de cabos eleitorais para impedir críticas à sua gestão, pagos com dinheiro público. Já temos elementos que comprovam a existência de organização criminosa atuando na estrutura do município e onerando os cofres municipais. A CPI dos Guardiões do Crivella vai investigar e ouvir essas pessoas para que sejam devidamente punidas – afirma Teresa Bergher.
Fora do gabinete, há guardiões também muito bem pagos como Diego Braga da Silva, que por isso passou a ser chamado de “guardião rei”, cujo salário revoltou os colegas do IPP. Servidor municipal desde 2016, ele é agente de administração e tem vencimento base de pouco mais de mil reais. Mas, com as vantagens para integrar o grupo de apoio a Crivella, passou a ganhar R$ 35 mil brutos. Ele não foi localizado para comentar sua presença entre os “guardiões”.
— Pegaram 45% do valor de encargos distribuído para 70 funcionários e deram a seis pessoas que chegaram ao IPP há pouco tempo, entre elas, o Diego — reclama um servidor do instituto.
Já Jansen Dutra Pimentel é professor de educação física desde 2012 e conseguiu mais que duplicar a sua remuneração (R$ 7,94 mil brutos). Ele já não é mais guardião, mas não explicou as razões de ter abandonado o posto.
— Quem gostava do prefeito participava do grupo. Mas decidi sair — resume.
Outro que diz ter saído do grupo e da prefeitura é Rodrigo dos Santos Vizeu Soares, que era da Casa Civil:
— Estava na parte administrativa, mas achei melhor sair. Agora, só continuo com meus projetos sociais.
Entre os apoiadores do prefeito, tem até funcionário do estado como Eduardo Gil dos Santos Duarte, que trabalha na área administrativa do Colégio estadual Frederico Eyer, no Pechincha, em Jacarepaguá, com salário bruto de R$ 3.201,07. Com cargo especial na prefeitura desde 2017, ele recebeu do município, no mês passado, R$ 7.895,56.
— Tenho função administrativa. Trabalhando na assessoria, eu cumpro a determinação de instruir pessoas na entrada do hospital — explica.
Apoiadores de Crivella interferem até na rotina de feiras artesanais. Embora apenas Feirartes e feiras livres possam funcionar, a da Nelson Mandela, em Botafogo, retomou as atividades há um mês. Mas o expositor precisa pagar R$ 135 por dia. Na Afonso Pena, na Tijuca, a Feira da Independência foi autorizada e depois cancelada na quinta-feira passada.
— Essas duas feiras são controladas pelo ML — conta Márcio Alves Ávila, organizador de feiras. — Quero trabalhar de cabeça erguida, pagando alvará e ISS, sem dar propina a ninguém.
Ao analisar as denúncias envolvendo os “Guardiões do Crivella”, o sociólogo e cientista político Paulo Baía classificou o grupo de gangue. Disse ainda que a Polícia Civil, o Ministério Público estadual e eleitoral e o Judiciário não têm como não agir.
— De pouco vale a maioria que Marcelo Crivella tem na Câmara dos Vereadores para barrar o impeachment. Os “Guardiões do Crivella” são uma questão criminal — analisou ele. — O prefeito dispersou a popularidade que tinha por prepotência, arrogância e uma certa ingenuidade política. Pisou na bola.
Procurada, a prefeitura não quis se manifestar.