Blogueiro e assessor militar de Bolsonaro discutiram golpe

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Foto: Gabriela Biló / Estadão

O blogueiro Allan dos Santos afirmou a um assessor do presidente Jair Bolsonaro que as Forças Armadas ‘precisam entrar urgentemente’ – a declaração teria sido enviada por WhatsApp um dia depois de grupos ‘antifascistas’ protestarem contra o governo, no final de maio. A mensagem foi obtida pela Polícia Federal e utilizada para confrontar o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, chefe da Ajudância de Ordem da Presidência e assessor do presidente Jair Bolsonaro, no inquérito que apura a organização e financiamento de atos antidemocráticos.

Em depoimento prestado na sexta, 11, e obtido pelo Estadão, Mauro Cid declarou à PF que não se recordava de ‘ter estabelecido’ conversas com Allan dos Santos sobre a ‘necessidade de intervenção das Forças Armadas’ e negou apoiar a ideia.

O militar disse ainda que não conheceu Allan dos Santos pessoalmente, e que o blogueiro teria entrado em contato com ele por WhatsApp, solicitando a participação de Bolsonaro em seu canal e também bastidores do governo. Bolsonaro não teria atendido às solicitações, segundo Mauro Cid. As conversas com o blogueiro também ‘não eram frequentes’, alegou.

A PF então confrontou o tenente-coronel com mensagem enviada por Allan dos Santos no dia 31 de maio – no mesmo dia, grupos considerados ‘antifascistas’ realizavam protestos contra o governo enquanto manifestantes em Brasília marcharam pela capital com faixas defendendo a intervenção militar.

Segundo os investigadores, Allan dos Santos enviou um link de reportagem ao tenente-coronel Mauro Cid sobre grupos denominados ‘antifas’. No dia seguinte, 1º de junho, o militar respondeu: ‘Grupos guerrilheiros/terroristas. Estamos voltando para 68, mas agora com apoio da mídia’.

Allan dos Santos replicou: ‘As FFAA (Forças Armadas) precisam ENTRAR URGENTEMENTE’, ao que o tenente-coronel respondeu com um ‘Opa!’. Questionado sobre a declaração, Mauro Cid disse que o seu ‘Opa!’ era ‘apenas uma saudação, como, por exemplo, Bom dia!’.

Essa não foi a única mensagem que o tenente-coronel foi confrontado. Em outro diálogo, datado do dia 20 de abril, a PF indica que Allan dos Santos teria sugerido ‘a necessidade de uma intervenção militar’.

Naquele dia, o presidente Jair Bolsonaro sofria intensas críticas sobre sua participação em um protesto a favor da ditadura. Segundo a PF, após receber a mensagem, o tenente-coronel Mauro Cid respondeu ao blogueiro: ‘já te ligo’. Aos investigadores, disse ‘que acredita que não realizou a ligação’.

Em outra mensagem, datada do dia 26 de abril, Allan dos Santos teria enviado ao militar ‘que não via solução por vias democráticas’ – à época, o governo federal enfrentava crise aberta com a saída do então ministro da Justiça Sérgio Moro, que acusou Bolsonaro de tentar interferir no comando da PF. O caso resultou em inquérito ainda em tramitação no Supremo contra o presidente.

Mais uma vez, o tenente-coronel Mauro Cid respondeu o blogueiro: ‘já te ligo’ e, novamente, disse à PF que ‘não acredita que realizou a ligação’.

Uma quarta mensagem do blogueiro foi mostrada ao militar e se refere ao dia 06 de maio – no dia anterior, o ministro Celso de Mello, responsável pelo inquérito contra Bolsonaro, havia autorizado o depoimento dos ministros Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Ramos e determinou que as oitivas fossem tomadas até mesmo ‘debaixo de vara’. A declaração provocou forte reação no meio militar.

Allan dos Santos, segundo a PF, citou ‘decisões do STF’ e disse ao militar: ‘Não dá mais’. O tenente-coronel Mauro Cid respondeu ‘Tá difícil’. Questionado sobre a declaração, o militar disse que se tratou de manifestação pessoal sobre ‘a forma como os generais foram intimados’.

‘Que bosta, pq isso?’. O tenente-coronel Mauro Cid também foi questionado pela PF se teria sido notificado por Allan dos Santos de ‘alguma atuação da Polícia Federal que estivesse ocorrendo em sua residência’. Em resposta, o militar disse que foi informado pelo WhatsApp sobre ‘a atuação’ da PF na casa do blogueiro e que seu único ato ‘pode ter sido comunicar o presidente, como é feito em relação a qualquer notícia relevante’.

A PF também apresentou uma mensagem que teria sido enviada a Allan dos Santos e apagada pelo próprio Mauro Cid. A data não é especificada, mas a conversa ocorreu após a PGR emitir parecer na qual afirma que a Constituição não admite intervenção militar. A peça foi divulgada pela Procuradoria no dia 02 de junho.

Allan dos Santos teria enviado um ‘print’ da nota da PGR ao tenente-coronel e disse: ‘Que bosta, pq isso?’. Em seguida, há uma mensagem deletada de Mauro Cid.

“Indagado qual teria sido a resposta do declarante, respondeu que não se recorda, mas que possivelmente apagou tal mensagem para não continuar a conversa”, apontou a PF.

‘Gabinete do Ódio’. O tenente-coronel Mauro Cid afirmou à PF que Allan dos Santos ‘tem um posicionamento ideológico mais radical’ e negou que o presidente Bolsonaro concorde com as ideias do blogueiro. Ele também negou a existência de um ‘gabinete do ódio’ no Planalto.

A PF questionou o militar sobre mensagem enviada a Allan dos Santos, com link de reportagem da revista Veja sobre o ‘Gabinete do Ódio’. Mauro Cid teria questionado o blogueiro: ‘Medo… vc não está com medo?!?? Quem realmente está com medo???’. Em resposta, Mauro Cid disse que só conhece o termo pela mídia e que o ‘gabinete do ódio não existe’.

“Indagado se o declarante já manifestou, por qualquer meio ou forma ou a quem quer que seja, adesão à ideia de que as Forças Armadas são um poder moderador dos demais poderes da República, respondeu que não”, apontou a PF.

Segundo o militar informou aos investigadores, sua função junto a Bolsonaro se trata de ‘intermediar o contato’ de terceiros com o presidente’.

Depoimentos. Além do tenente-coronel Mauro Cid, a Polícia Federal ouviu dois outros assessores especiais do presidente Bolsonaro no mesmo inquérito: Tércio Arnaud Tomaz e José Matheus Sales Gomes. O primeiro declarou aos investigadores que repassa vídeos do presidente a canal de YouTube de direita e participou de grupo no WhatsApp com o blogueiro Allan dos Santos e apoiadores do presidente.

José Sales Gomes, por sua vez, é mais um ‘talento’ alçado ao Planalto por Carlos Bolsonaro.

Todos negaram a participação na promoção de atos antidemocráticos ou envolvimento direto na gestão dos perfis pessoais do presidente, embora Gomes tenha reconhecido que ‘auxilia informalmente’, de forma eventual, quando é acionado por Carlos.

COM A PALAVRA, ALLAN DOS SANTOS
A reportagem busca contato com a defesa do blogueiro Allan dos Santos. O espaço está aberto a manifestações.

Estadão