Bolsonaro assinou lei que obriga pessoas a tomarem vacina
Foto: Arte/VAN CAMPOS/O FOTOGRÁFICO/ESTADÃO CONTEÚDO
Em mais uma fala polêmica em meio à pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contradisse uma lei de iniciativa do próprio Executivo do início do ano. Segundo Bolsonaro, ninguém pode ser obrigado a ser vacinado. A legislação vigente diz o oposto.
“Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, disse o presidente em um discurso na última segunda (31). A frase foi reproduzida pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República) nesta terça (1º) como uma posição do governo “pelas liberdades dos brasileiros”.
O Governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina. Recursos para estados e municípios, saúde, economia, TUDO será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos. 🇧🇷🤝🇧🇷 pic.twitter.com/CpaTqK620v
— SecomVc (@secomvc) September 1, 2020
A fala, no entanto, ignora uma lei proposta pelo próprio Executivo e sancionada por Bolsonaro. A lei nº 13.979/20, chamada “Lei do Coronavírus”, diz que, na situação atual de pandemia, as autoridades podem obrigar a população a ser vacinada.
A lei, publicada em 6 de fevereiro, vem do PL 23/2020, de iniciativa do próprio governo Bolsonaro, quando Luiz Henrique Mandetta, que assina a peça, era ministro da Saúde. A proposta já tinha o artigo 3, que coloca a vacinação como uma das possibilidades a serem determinadas compulsoriamente pelas autoridades:
“Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
III – determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos.”
Para advogados constitucionalistas ouvidos pelo UOL, o texto deixa claro que a lei permite que autoridades obriguem a população a se vacinar para enfrentar a pandemia.
O constitucionalista Flávio de Leão Bastos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que a situação contrapõe dois direitos fundamentais: o individual e o coletivo. No entanto, avalia ele, em casos excepcionais como o atual, prevalece o segundo, desde que sejam adotados critérios de razoabilidade e individualidade.
“A regra é que ambos [os direitos] têm de ser observados, mas, excepcionalmente, quando o direito difuso e coletivo está sobre grave ameaça —e é o caso—, o preâmbulo da Constituição, que não é uma norma, mas um instrumento de interpretação, coloca claramente o interesse coletivo, social, antes do individual”, afirma o advogado.
Para ele, se o presidente, que assinou a lei, avalia que ela é inconstitucional, deve acionar o STF (Supremo Tribunal Federal), mas não tem o poder próprio de invalidá-la.
“Ele [Bolsonaro] não pode adotar medidas que contrariam a norma. Se ela prevê a possibilidade [de vacinação compulsória] em casos excepcionais, é possível, sim, que as pessoas sejam submetidas a isso”, diz Bastos.
Renato Ribeiro de Almeida, membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, diz que a lei pode ser “bastante questionável”, mas é vigente.
“A Constituição Federal garante a liberdade do cidadão não se submeter ao tratamento por objeção de consciência, podendo se negar a receber medicamentos de qualquer espécie. Todavia, enquanto a constitucionalidade da lei não for debatida pelo STF, é vigente. Sendo assim, o presidente da República contradisse a lei ao afirmar que ninguém estaria obrigado a vacinar-se”, diz Almeida.
Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), concorda que o texto diz claramente que a vacinação compulsória é uma possibilidade. Para ele, as “contradições do presidente” apontam para uma forma de governar de Bolsonaro.
“Em relação à pandemia, a preocupação do presidente tem sido notória em distorcer os termos da sua responsabilidade. Essas informações não são meras contradições, é uma forma estrutural da comunicação do governo, usando a Secom de uma maneira bastante duvidosa”, afirma o advogado.